Almas em Procissão

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Os temíveis caminhantes das Procissões dos Defuntos


     Esta descrição é baseada na narrativa #1604 do Arquivo Português de Lendas (APL 1604).


     Numa noite, uma mulher ia levar um fole (saco de pele no qual se transporta farinha) a um moinho, e passou pelo adro de uma igreja, onde estava a decorrer uma procissão. Ela pousou o fole, e meteu-se na procissão. Ao retirar-se, pediu a um dos assistentes da procissão que lhe auxiliasse a pôr o fole às costas. Ele desculpou-se; disse-lhe que não tinha força, pois morrera de uma doença prolongada; mas ainda disse para se dirigir a outro, que apontou, que morrera repentinamente. Foi então que a mulher soube onde se tinha metido: uma Procissão das Almas – almas a penar neste mundo (ver descrições das Costureirinhas e das Almas em Volta da Fogueira)! Presumidamente, a mulher não se demorou mais nessa procissão sobrenatural!

     As Almas em Procissão são uma variante de Almas Penadas que, como o nome indica, andam neste mundo em Procissões das Almas ou dos Defuntos. Percorrem descalças e com círios acessos nas mãos e capotes a cobrirem-lhes o corpo os caminhos de uma paróquia num alinhamento de duas filas encabeçado por uma pessoa viva, homem ou mulher consoante o género sexual do padroeiro dessa paróquia, que carrega uma cruz e um caldeiro de água benta num transe involuntário que não lhe permite virar-se nem olhar para trás. As Procissões das Almas ocorrem em algumas partes do país; é no Norte que há mais possibilidades de se cruzarem-se com uma (se forem azarados ou não tiverem noção do risco, claro!).

     Há no mínimo duas maneiras de alguém se tornar uma Alma em Procissão: não ir até ao fim de pelo menos uma procissão católica a que se comprometeu antes de morrer; e dirigir-se de forma rude a uma Procissão das Almas quando esta visita uma casa na qual está previsto morrer alguém – a morte será então de quem se dirigir dessa forma!

     Há Procissões das Almas em qualquer noite, após o Sol se pôr completamente, mas principalmente nas noites de São João, que assinalam o Solstício de Verão, e sobretudo nas noites anteriores aos Dias de Todos os Santos, nas quais o tempo fica parado. Isto porque é nessas noites que as portas do chamado outro mundo se abrem – quiçá mais do que nas outras – e os mortos andam entre os vivos.

     A chegada de uma Procissão das Almas pode ser antecipada por alguns sinais de alerta: as estranhas reações de certos tipos de animais; um inesperado cheiro a cera no ar; ou uma corrente de vento repentinamente muito fria.

     Os vivos que lideram as Procissões das Almas não se recordam de o fazer; noite após noite, passo após passo, definham até morrerem, a menos que encontrem pelo caminho outras pessoas a quem entregar a cruz e o caldeiro, substituindo-os assim; se morrerem, o papel recai a outros.

     As Procissões das Almas podem ser ainda o prenúncio da morte das pessoas que as encontram em encruzilhadas, onde costumam aparecer (ver descrição das Laranjeiras).

     Se encontrarem uma Procissão das Almas e quiserem sair livres de sarilhos desse encontro, tracem um círculo no chão e deitem-se de boca para baixo sem olhar para nenhuma alma, benzam-se ou toquem num cruzeiro. Mas o melhor mesmo é deixar em paz os que andam a penar!



Fonte da imagem: Mundo Tentacular (blogue)

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