Corvos

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As surpreendentes aves de bom agouro


     Esta descrição é baseada na narrativa #3221 do Arquivo Português de Lendas (APL 3221).


     A sua plumagem negra e a seu consumo de cadáveres, incluindo os de homens, levam os Corvos a serem tidos como as aves de mau agouro por excelência e emissários da morte. Além disso, as suas interações com algumas figuras da mitologia cristã não abonam a favor deles, tornando-os imagens do pecado... Lembram-se ou sabem do Corvo mandado por Noé para ver se já havia terra firme, que já não voltou à Arca porque ficou a comer cadáveres? Ainda assim, as representações dos Corvos não são todas negativas; eles contribuem para que certas missões tenham conclusões satisfatórias.

     Frequentemente, essas missões são de cunho religioso. Nessas ocasiões, este tipo de animais serve de portadores de indicações divinas para as ações dos homens. Foi o caso do bando de Corvos que, ao ir para Norte num dia tórrido de Verão, passou por cima de oito monges que descansavam, já de barriga cheia, na colina onde se ergueu mais tarde a Capela de São Bento, no concelho de Cantanhede. Esses monges, enviados por São Bento de Núrsia, então Patriarca do Ocidente (título atualmente dado ao Papa), viram este bando de pássaros descer em direção a uma clareira. Talvez por associarem os Corvos a São Bento (pois foi um Corvo que levou o pão envenenado oferecido a esse Santo para bem longe, onde ninguém pudesse encontrá-lo, por ordens dele), consideraram isso um sinal de Deus – era o local ideal para formar uma povoação. Árvores abatidas, cabanas erguidas – e assim surgiu Ançã, a localidade a que pertence a referida capela dedicada a São Bento!

     Foram também Corvos que guardaram o corpo de São Vicente após ser trazido de Valência para um santuário no cabo que leva o nome desse Santo aquando da tomada dessa cidade pelos mouros. Estes pássaros indicaram o túmulo de São Vicente à expedição mandada por D. Afonso Henriques ao grasnarem e sobrevoarem esse sepulcro. E dois deles acompanharam a barca que levou o corpo do Santo do Cabo de São Vicente a Lisboa, então acabada de tomar pelos portugueses. Por isso é que há dois Corvos, um na popa de uma barca e o outro na proa da mesma embarcação, no Brasão de Armas de Lisboa. Numa versão desta história, essa barca, na volta, só tinha os dois pássaros com o corpo que foi depois sepultado na Sé de Lisboa. Isto reflete a tradição de milagrosas viagens marítimas em navios sem tripulantes que são atribuídas a diversos Santos.

     Foi ainda um Corvo que, ao crocitar e agitar freneticamente as asas no cimo de um pinheiro, renovou o ânimo dos guerreiros de D. Afonso Henriques, que consideraram aquilo um sinal de bom agouro, para que reconquistassem Leiria ao mouros, o que fizeram a seguir com sucesso. Por isso é que há dois pinheiros, cada um com um Corvo no cimo, no brasão do concelho de Leiria. Mas porque é que há dois Corvos nesse brasão se apenas um apareceu às tropas do primeiro Rei de Portugal nos arredores dessa cidade? Bem, talvez seja porque o ânimo para reconquistar Leiria passou a ser o dobro do que já havia com a aparição desta ave... Então é lógico que a representação da ave no brasão seja igualmente a dobrar!



Fonte da imagem: JuzaPhoto (site)

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