01 - Renascimento

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Morrer é uma sensação estranha…

  Não respiro, nem sinto o peso e as dores de sempre. A paz, como se meu corpo estivesse rodeado de água; a consciência anestesiada, mas estranhamente ali. Agindo como inconsciência. Eu sabia que estava morto, mas lembrava de todos os meus dias em vida.

  Num vazio livre dos sentidos, as memórias passam como num filme longo e desinteressante.

  O choro de um bebê, que saiu do casulo da barriga de sua mãe, do conforto e proteção da ignorância para ter os pulmões preenchidos dolorosamente pelo oxigênio, ainda imaturos demais para encarar o mundo real. O bebê se transforma numa criança sorridente; vestida de um sorriso que sumia conforme passava o tempo e ela envelhecia. Momentos de felicidade, momentos de tristeza. A vida foi passando. Até que os momentos tristes se tornaram predominância.

  Aos 17 anos, fiquei doente para nunca mais me recuperar. O hospital era minha segunda casa. Os médicos e enfermeiros meus segundos pais e mães. Após definhar por três anos, morri aos 20. Foi uma vida curta, com um final infeliz, mas com pessoas especiais. E assim que chego no meu fim… . . .    .    .      . ?

  Espera, ainda tem mais? Mas eu já morri, não é pra ter mais! É para acabar em minha morte, não é?

  Não,  não terminou em minha morte, e no filme que eu achava ser da minha vida se materializa uma criança que eu nunca vi antes. Eu tinha certeza, ou talvez nem tanta certeza assim. Aquele rosto era familiar demais, apesar de ao mesmo tempo estranho. Eu sentia que conhecia aquele rosto, mas também não conseguia caçar memórias dele. Os grandes olhos azuis cinzentos e o cabelo branco como se fosse tecido com fios macios de nuvem, mas da onde? Quem era aquela criança? Sequer pude me perguntar muito, pois a imagem logo some, e palavras escritas com o mesmo brilho pálido das estrelas surgem, formando um comando:

PROTEJA A CRIANÇA

  Para a minha surpresa, não demora e as palavras se esfarelam, como castelo de areia que um pé maldoso ousou chutar, dando lugar às ruínas sangrentas de algum lugar.

EVITE A DESTRUIÇÃO

  Mais uma frase, que depois dá lugar a um nome:

ALEXANDER WHITEHOUSE

  Que foi se afastando, para cada vez mais longe no vazio, e antes mesmo que aquilo tudo fosse digerido por minha consciência, sinto o ar em meus pulmões de novo, e eu puxo-o desesperadamente, num instinto natural de sobrevivência, que nos faz tentar sempre agarrar na vida com todas as nossas forças. Meus olhos se abrem arregalados, mas nada consigo ver além de borrões.

  — Alguém chame um médico! O mestre acordou!

  Merda... Esse maldito não podia falar mais baixo? Aos poucos tudo ao meu redor desembaça, e me encontro num quarto frio e gigantesco, pipocado de faces desconhecidas. Do meu lado direito, ouço os estalos que fazem o fogo. Sinto o cheiro de muitos perfumes que confundem meu nariz, que franze desconfortável. Estou vivo. Por mais estranho que isso possa soar, eu realmente estou vivo de novo, e num lugar muito diferente de um hospital.

  Não tinha as cores claras tão características, e nem o teto recheado por luminárias tubulares, já tão a mim familiares; e apesar disso, uma certa similaridade aquele quarto escuro e sombrio dividia com um hospital: o ar pesado, fúnebre e triste, que sempre fez apertar meu coração. Talvez fossem as cores cinzentas, os lustres e enfeites de prata, ou os panos e cortinas em tons escuros, apenas um tanto mais alegres agora porque tingidos pela luz alaranjada das chamas, que lambem e mordiscam a madeira seca a virar cinzas.

Renascido Num Omegaverse(Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora