𝑹𝒂𝒚𝒍𝒆𝒊𝒈𝒉- 𝑻𝒐𝒐 𝑶𝒍𝒅 𝒑𝒕.𝟑

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O sol entra pela janela descoberta das cortinas. Parece que peguei dois elefantes pois meu corpo está moído, e dolorido. Cheiro de café fresco invade o quarto, me dando a sensação de despertar. Tento enxergar através dos borrões em meus olhos, tudo de madeira rústica e velha. Me levanto rapidamente despertando de uma vez, o ato brusco faz a minha cabeça latejar, saio do quarto e dou de cara com o Rayleigh segurando uma bandeija com uma xícara de café fumegante, e um croissant bem dourado. O velho sorri com ternura e olha para a bandeija que eu tanto fitei, provavelmente estava parecendo um cachorro de rua com muita fome.

— Estava indo levar para você — O seu sorriso gentil e calmo me faz lembrar da revelação de ontem. Olho-o com desgosto fazendo seu sorriso murchar rapidamente. Preciso sair dali o mais rápido possível, não quero ficar perto de um pirata. Não enquanto foram um deles que mataram a minha mãe. — Aonde está indo? Podemos pelo menos conversar?

— Conversar sobre o que, Rayleigh? Acho que esse assunto está encerrado. Você é um pirata e eu odeio piratas. Pronto, assunto encerrado — Digo enquanto junto todas as minhas coisas numa mochila, não ficarei ali nem mais um minuto sequer.

— Nem todo pirata é mau, S/n. Igual nem todos da marinha, são bons — Ele deixa bandeija encima da cômoda e fala comigo enquanto amasso todas as minhas coisas dentro da mochila.

— Eu sei que nem todos da marinha são bons, Rayleigh. Mas como posso acreditar que nem todos piratas são maus enquanto mataram brutalmente a minha mãe?

— Porque confiou em mim — Ele diz e eu paro, refletindo sobre o que disse — Você está aqui faz quase 2 meses, e que eu saiba. Nunca te fiz mal algum, ou te tratei como não merecia, então podemos pelo menos conversar? Como dois adultos? — Respiro fundo, inalando uma boa dose de oxigênio e a solto numa lufada. Olho em seus olhos e percebo, medo, arrependimento e algo que nunca vi antes, então não sei dizer ao certo, o que pode ser?

— Está bem, depois que terminarmos, eu irei embora. Nada mais — Me sento de um lado da cama e o mais velho senta do outro

— Durante a minha vida nos Piratas de Roger, nunca machucamos inocentes. Roger, na verdade era um coração mole que ajudava todo mundo. Então a questão de bom ou mau vai da visão de cada um, porém se não quiser acreditar e ir embora, sentirei muito a sua falta mas está livre, faça o que bem entender — Ele se levanta silenciosamente e mas para na batente da porta quando começo falar

— Eu tinha acabado de voltar da escola, era um daqueles dias que as nuvens pareciam serem feitas de algodão doce, e o sol estava quente na medida certa, tudo para um dia perfeito. Coloquei minha mochila em um quanto qualquer na sala e chamava minha mãe, e nada. Estava escutando vozes no nosso quintal, vozes que nunca tinha escutado antes. Quando eu vi eram piratas que queriam o pagamento de algo, eles gritavam com ela, batiam nela, socavam o seu rosto, sua barriga, chutavam suas pernas com aquelas botas sujas de sangue seco, nisso meu corpo travou, e eu me sinto tão inútil desde esse dia, e ela dizia "Eu não tenho nada haver com ele", chuto que tem algo haver com o meu pai — Não é uma história que eu superei e consigo contar numa boa, minha garganta parece ter um nó enorme que não me permite fazer nada, nem respirar, nem me mexer, igual aquele dia, é tão fácil vivenciar aquilo tudo, até as sensações voltam as cores. As lágrimas rolavam desefreadamente enquanto mexia minhas mãos incansavelmente procurando algum conforto, e eu não o achava, nunca o achei.

— Aí pirata a pegou pelo pescoço erguendo-a, meu corpo tinha travado na batente da porta que dá ao quintal. E então o parceiro dele tirou uma espada e — Meu coração pareceu pesar dentro do peito, minha cabeça pareceu pesar mais do que todo o meu corpo, minhas unhas enfincam em minha carne buscando algum conforto, mas nada. Sinto a presença de Rayleigh quando ele coloca sua mão sobre as minhas mãos machucadas. Esforço-me para respirar direito, tem horas que meu corpo parece não me obdecer, não faz o que eu mando, e eu fico com medo de perder o controle, de me perder em mim, eu tenho de mim, do que eu posso fazer comigo mesma.

✗ 𝙄𝙈𝘼𝙂𝙄𝙉𝙀 𝙊𝙉𝙀 𝙋𝙄𝙀𝘾𝙀 ✗Onde histórias criam vida. Descubra agora