Prólogo:

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Sabe a sensação do "devia"? "Devia ter dito aquilo, não devia ter dito", "devia ter feito aquilo,não devia ter feito". Essa é a pior sensação do mundo, ela vai te acompanhar, te assombrar, te corroer e não vai sumir, porque você mesmo se julga e se condena.

Eu vivo com muitos devias na vida, quando se tem uma vida monótona e sem muitas espectativas você acaba se cobrando nas pequenas coisas. Digo sempre a mim mesma, continue a nadar, vai ficar tudo bem, embora não acredite, fingir acreditar é o que me mantém nadando.

Eu sou grata por tudo que tenho e tudo que conquistei, tive sorte por saber desde cedo o que eu queria ser quando crescesse, graças ao Dr. Louis Waybrooks, meu pai, um médico cirurgião incrível, às visitas semanais ao hospital me fizeram aprender boa parte do que sei hoje, eu nunca me esquecerei de quando o acompanhava e assistia as pessoas o agradecendo por ter salvo suas vidas ou de alguém importante á elas, a gratidão e gentileza nos olhos daquelas pessoas e a felicidade de estarem bem e vivas..eu ficava encantada com aquilo, foi quando decidi que queria ser igual a ele, fazer o bem para as pessoas e ajudá-las.

Eu me tornei uma médica cirurgiã igual a meu pai, talvez não tão boa quanto ele mais boa o suficiente para salvar as pessoas, essa era talvez a única coisa na vida que me trazia felicidade.

Eu perdi meus pais para a doença sem cura do nosso século, não cheguei a conhecer minha mãe e meu pai se foi á cerca de 2 anos, me senti totalmente incapaz naquela época por não ter conseguido fazer nada para salvá-lo, afinal de que adianta um médico se não para salvar a vida das pessoas? E é por isso que passo meus dias me afundando nos livros, estudando e trabalhando sem parar, para que mais ninguém passe pela mesma dor que eu passei.

No dia em que tudo aconteceu eu tinha acabado de sair de um plantão de doze horas, era por volta das 18 horas da noite, ainda conseguia ver os últimos raios de sol desaparecendo no horizonte, aquela paisagem sempre me trazia um sentimento de paz, era agradável a perfeita sintonia dos raios de sol alaranjados e da leve brisa do fim de tarde. Acabei notando um pequeno edifício rústico enquanto apreciava a paisagem, com algumas folhagens que o rodeava deixando o lugar extremamente elegante, ao me aproximar pude notar que era uma cafeteria, o ar daquele lugar me instigou, não sabia explicar em palavras a sensação, eu só tinha o pressentimento de que deveria entrar, então assim o fiz.

Assim que adentrei o local as pequenas luzes se acenderão por já não haver mais nenhuma fresta de sol para clarear, notei que não tinha muitas pessoas, o que pra mim era ótimo já que me sentia acuada em multidões até mesmo pequenas.

Optei em pegar um mocaccino, café e chocolate é uma combinação perfeita para mim, me sentei em uma mesa com uma janela de canto, observava o lugar atentamente até meus olhos pararem no fundo do mesmo, havia algumas estantes repletas de livros, me levantei e fui até lá, me surpreendi pela grande variedade que tinha mesmo em um espaço tão pequeno, pensei que seria uma boa ideia escolher algum para ler enquanto tomava minha bebida.

Caminhei por entre as estantes passando os dedos sob as capas observando cada uma atentamente, até que uma delas me chamou atenção o suficiente para retirá-lo da prateleira e voltar para minha mesa já sendo servida pela garçonete.

Ao foliar as páginas notei que se tratava da história de um rei, Balduíno IV de Jerusalém, o rei leproso, na imagem retratada ele usava uma máscara prateada e vestes que cobria o corpo todo, só seus olhos eram visíveis, aquilo me provocou um sentimento estranho..déjà vu, foi o que eu senti.

Ele foi coroado aos 13 anos de idade por decorrência da morte do pai, e ganhou a alcunha de rei leproso, ele adquira a lepra, doença incurável naquele tempo diferente dos tempos de hoje. Ninguém esperava que ele permanecesse muito tempo no poder ou gerasse herdeiros por conta de sua condição de saúde. "Em nada abalou a força viril de sua alma, ainda tão pequeno portou-se como um herói e jamais recuou diante da dor, apesar de sua doença o preocupar com a questão da sucessão." Como foi descrito.

Era durante a época das Cruzadas, os cristãos e muçulmanos entraram em conflito pela disputa territorial da chamada Terra Santa, situada em Jerusalém.

Como se isso não bastasse, Saladino, um poderoso sultão cuja influência se estendia do Egito à Síria, aproveitando-se de uma série de circunstâncias, entre elas o fato de reinar em Jerusalém um menino leproso, decidiu iniciar uma série de investidas para tomar posse de Damasco, cidade-chave para a conquista de todo o território.

A história daquele rei..o quão triste e solitário ele deve ter sido por conta da doença, mas mesmo com tudo contra ele até mesmo seu próprio corpo ele continuou firme com o seu dever..ele é um dos poucos homens de caráter que eu conheço.

Após uma pausa para refletir o que havia lido até aquele momento notei o quão tarde já era, a rua estava escura e com bem menos movimento do que quando cheguei, minha xícara já estava vazia então resolvi ir para casa. Torci para que fosse permitido alugar o livro ou algo do tipo, apesar de não ter nada no lugar que sugerisse isso, com muito receio de não ser possível fui até o balcão pagar a conta e perguntei se podia levar o livro, para minha surpresa ela gentilmente sorrio para mim e disse que eu poderia ficar com ele, respirei aliviada, a agradeci e fui para casa quase que impaciente para saber mais sobre aquele homem misterioso.

Depois de me lavar e já pronta para dormir, me ajeitei na cama e peguei o livro voltando a ler de onde parei, horas se passaram e mesmo cansada lutando contra o sono e os olhos tão pesados que mal paravam abertos, continuei lendo a instigante história daquele rei, meu coração estremecia de um misto de sentimentos, eu poderia ajuda-lo, eu poderia salva-lo para que tivesse uma vida normal e sem tanto sofrimento..isso remoía em minha mente e um aperto em meu peito me deixava inquieta. Notei um tempo depois uma lágrima que escorria em meu rosto, mais o que era esse sentimento? Por que ele me tocou tanto?

Respirei fundo desviando o olhar da última página para o teto do quarto, definitivamente não esperava que outras lágrimas fossem cair, eu apenas as limpava a medida que caiam, a imagem dele não saia da minha mente, suportar o que ele suportou e partir tão jovem e mesmo com seus esforços para que todos vivessem em paz no fim tudo acabou sendo em vão de certa maneira...

O cansaço acabou tomando conta de mim, não sei quando acabei dormindo, mais dormi pensando nele em meio a lágrimas.

Uma brisa ressoou em meu rosto e a luz do quarto me despertava, o que significava que já tinha amanhecido, era de se esperar o cansaço já que fui dormir tão tarde, resolvi ficar um pouco mais na cama já que era meu dia de folga.

Alguns minutos depois notei altas conversas do lado de fora, o que era estranho porque alguém estava descumprindo umas das regras do prédio de fazer festa neste horário. Abri então olhos me acostumando com a claridade e então notei que não estava no meu quarto, onde estava e dormi noite passada...

𝔓𝑟𝑒𝑑𝑒𝑠𝑡𝑖𝑛𝑎𝑑𝑜𝑠𓂃⊹๋࣭ ⭑Onde histórias criam vida. Descubra agora