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RAFAELA

Comi tanto que parecia que não via comida há alguns dias. Aposto que Duh se controlou ao máximo para não sair da dieta e provavelmente ficou assustada com meu apetite.

Agora estávamos sentadas terminando de beber um suco de laranja gelado enquanto olhávamos para o mar. Tinha bastantes pessoas, apesar de ser fora de temporada. Uma salva vida apita freneticamente para que crianças descontroladas que quase chegavam ao meio mar saíssem de lá.

Por mais tempo que tenho passado com Duh naquele dia, minha mente ainda viaja para o rosto decepcionado de Steve. Eu o tratei como um babaca a vida toda e ele ainda foi capaz de se apaixonar por mim, a policial pontual. Não faz sentindo algum.

-No que está pensando?- Pergunta Duh enrolando um dos meus cachos no dedo.

Eu não queria contar a ela sobre o fora que dei no meu companheiro de trabalho, mas ela acabaria descobrindo um dia. Só espero que não fique brava comigo.

-Você lembra-se de Steve?

-Aquele que te tratou com grosseria hoje? Lembro-me bem- Um tom rosado surge em seu rosto, tanto pelo sol quanto pelo ponto de irritação que transparecia em sua expressão.

-Ele tem motivo para ter agido assim- Pressiono minhas mãos entre os joelhos, apesar de ser um dia quente eu as sentia frias- Naquele dia que você foi devolver a jaqueta para mim, Steve me levou até a praia.

De repente a expressão alegre de Duh fica pesada e um fio de medo passa pelos seus olhos verdes. Paro de encara-la e me volto para o chão salpicado de areia.

-Ele se declarou para mim. Disse o quanto me amava e tentou me beijar, mas eu não deixei. Contei para ele que tinha sentimentos por outra pessoa e que só o via como amigo. Steve não aceitou isso muito bem. Acho que a culpa foi minha.

Duh segura minhas mãos frias, envolvendo-as com a sua quente. O calor parece voltar para meu corpo com esse ato.

-Não é sua culpa Rafa. Você não pode controlar o que os outros sentem por você- Duh sorri sem mostrar os dentes, de forma docemente- Steve vai superar. Vai arrumar alguém que corresponda seu amor.

-Acho que você tem razão- Puxo-a pela cintura para ficar um pouco mais perto de mim. Eu realmente amo aquela garota.

Na volta para casa, passo na floricultura para comprar um buque de rosas brancas para minha mãe. Como havia saído cedo de casa para vir ao estúdio, ela ainda estava dormindo e não tive como desejar feliz aniversário. Pelo menos, tive tempo de comprar rosas e fazer uma pequena surpresa.

Bato levemente na porta a frente e escondo as flores nas costas sem muito sucesso, pois eram glamorosas demais. Minha mãe logo aparece com os cachos bagunçados como se tivesse acabado de acordar e com um roupão por cima do pijama.

-Feliz aniversário!- Entrego e ela abre um sorriso trazendo as rosas para perto do nariz, cheirando-as.

-Obrigada minha filha. Entre! O almoço acabou de ficar pronto.

Minha mãe abre o caminho apontando para dentro da casa escura com apenas a luz vinda da cozinha. O cheiro de feijão recém-cozido pairava pelo ar me fazendo salivar.

-Eu já almocei- Digo por fim, coçando a nuca.

-Por quê? Fim de semana você sempre almoça aqui comigo e com seu pai- Sua testa estava enrugada tanto de curiosidade quando de estresse. Acho que ela não gostou muito de ter eu ter quebrado nossa tradição.

-Desculpe. Hoje cedo foi fazer uma sessão de fotos com uma... - Eu ia dizer namorada, mas seguro a língua- amiga. Ela é modelo e me convidou para fazer umas fotos. Terminou um pouco tarde, então resolvemos almoçar na praia.

-Que amiga é essa Rafaela? Você nunca me falou dela- Sua voz ganha um tom mais suave, e sua expressão também.

Que amiga é essa? É a amiga que possui os cachos mais bonitos do mundo das cacheadas, tem o maior e mais radiante sorriso do universo, os lábios mais macios da história e o corpo mais cheiroso e mais bonito de todos. Só isso.

-Ela se chama Duh, modelo sabe?

Seu queixo cai e seu rosto ganha um tom pálido. Ela mexe os lábios na tentativa de falar, mas falha. Parecia estar enfartando.

-Como que você não me conta uma coisa dessas? A Duh? Eu adoro o trabalho dela.

-Está falando sério?- Pergunto incrédula. Minha mãe? Fã da Duh? Impossível.

-Sim Rafaela! A Duh é uma mulher maravilhosa, mas deixei de acompanhar ela depois que cortou o cabelo. Seu cabelo era bem melhor antes e bem mais feminino.

Discordo silenciosamente. Seu novo corte a faz ser destaque no meio das outras mulheres. Para falar a verdade, Duh ficaria bonita até careca. Além de que o tamanho de seu cabelo não define sua feminilidade.

Penso em contar a ela que Duh já esteve aqui em casa, mas acho que ela realmente enfartaria e, além disso, me estrangularia por trazer uma celebridade para dentro de casa e não apresenta-la para ela.

Vou para minha casa nos fundos. Achei que minha mãe reagiria mal por ter quebrado a regra do almoço em família aos finais de semana, mas parece que o fato de eu conhecer uma pessoa famosa anula tudo. O que eu não esperava é que na tarde daquela noite ela bateria em minha porta, dessa vez com uma expressão zangada.

-O que significa isso Rafaela?- Pergunta ela com virando o celular para que eu possa ver o post. Um nó se forma em meu estômago. Era uma das fotos que tiramos hoje, Duh com seus lábios a centímetros do meu e a legenda "girlfriend" – Você namora Rafaela?

-Não exatamente...

-Com uma garota? – Seu tom de voz aumenta dez volumes fazendo meus tímpanos doerem- Não foi isso que te ensinei Rafaela. Namorar uma garota é nojento! Eu não te ensinei a ser nojenta!

-Mãe... Eu posso explicar...

-Não tem explicação isso que você fez. Além de mentir para sua mãe sobre Duh ser apenas uma amiga, está transando com ela. Com uma mulher!- Ela parece cuspir as palavras às últimas palavras nos meus pés, porque sinto todo o desgosto deixando-as mais pesadas.

-Não! A gente não está transando. Mãe você precisa me ouvir!- Grito quando ela se vira, pisando fundo e segurando o celular tão forte que poderia quebrar a tela.

Desisto. Gritar com ela é um caminho sem voltas. É melhor deixa-la esfriar a cabeça para que possamos conversar.

Fecho a porta e volto para dentro, para meu quarto, meu porto seguro. Afundo a cabeça no travesseiro encarando o teto, e contra minha vontade uma única lágrima desliza pela minha bochecha, mas a limpo antes que ela molhe meu travesseiro e antes que o mundo veja.

Atraídas pelo mesmo ritmoOnde histórias criam vida. Descubra agora