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DUH

Eu e Rafa estávamos nos dando muito bem. Em apenas alguns dias adquirimos um ritmo e uma sintonia indiscutíveis. Trabalhávamos juntas deixando tudo mais leve. Ela lavava a louça nos dias de semana para que eu não estragasse as unhas que usaria nas sessões de fotos e eu pagava uma faxineira para manter a casa sempre em ordem. Rafa insistiu para que pagasse pelo menos uma parte da conta de água e luz, então cedi.

Claro que às vezes brigávamos. Principalmente quando ela pega minhas roupas sem pedir ou as mancham com maquiagem e creme de cabelo. Também fico maluca quando ela larga a toalha molhada em cima de sua cama ou deixa par de meias sujas espalhadas por todo o quarto. Qual a dificuldade em colocar no cesto de roupas que fica atrás da porta?

Foi em um sábado de manhã, enquanto olhava a nova revista que havia sido publicada, inclusive sai magnifica em todas as fotos (Marques sabe mesmo o que está fazendo), que percebi que eu e Rafa nunca tivemos um pedido de namoro oficial e nem um encontro. Claro que já saímos várias vezes juntas, mas nenhum desses passeios foi digno de um encontro.

Rafa merecia muito mais do que um simples refresco no quiosque da praia. Então tive uma ideia. Fiz uma reserva no melhor restaurante da cidade, um que fica na mesma rua do mar. Lá serviam as melhores porções de camarão e as mais saborosas saladas. Nunca vou me esquecer de quando meu pai me levou para comer a sobremesa de lá. Foi a melhor torta de morango que comi na vida.

Estava ansiosa para convidar Rafa para o encontro, mas quando ela chega ao apartamento, sua cara não está muito agradável. Era obvio que ela carregava alguma noticia ruim com ela.

-Está tudo bem amor?- Pergunto pousando a mão em seu ombro, mas ela se desvencilha, com uma expressão de dor.

-Eu... Vamos nos sentar, pode ser?- Ela diz, segurando com carinho a minha mão e nos conduzindo até o sofá.

-Você está me assustando.

Rafa respira fundo uma vez. Ela carrega uma expressão cansada e parece que suas olheiras pioraram duas vezes mais no tempo que esteve fora. Seu cabelo está preso em um coque desgrenhado e ainda usa o uniforme do trabalho. Ela estica os pés e os encara por alguns segundos antes de começar a falar.

-Minha mãe foi até a delegacia hoje. Ela me contou que meu pai teve uma parada cardíaca ontem a noite e está internado. Parece que ele está bem, mas minha mãe parecia tão cansada e devastada... Implorou para que eu voltasse para casa e deixasse toda essa baboseira de lado e... Eu vou voltar.

-O que?- Todo meu corpo treme. É bom saber que a mãe de Rafa ainda se importa com a filha, mas ela vai me deixar depois de termos nos acostumado com a presença uma da outra?

-Escuta Duh. Eu não sei se ela se arrepende do que fez. Não faço ideia, mas eu preciso voltar. Preciso cuidar deles até que tudo normalize. Mesmo depois de tudo, eles ainda são meus pais, não é?

Só percebi que estava chorando quando Rafa limpa uma lágrima da minha bochecha. Eu não acredito que ela vai me deixar depois de tudo. Não pode ser verdade. Por favor, alguém pode me acordar desse pesadelo?

-Você não pode ir- Digo finalmente com a voz trêmula.

Chacoalho a cabeça. Logo vou acordar ao lado de Rafa e perceber que tudo foi apenas um sonho ruim. É questão de tempo...

-Vai ser por pouco tempo, está bem? Só vamos nos manter afastadas até tudo voltar ao normal. Se eu não for e algo acontecer com meu pai eu... Vou me culpar pelo resto da vida. Você entende?

Não e sim. Não entendo como ela é capaz de voltar pra casa depois de tudo que a fizeram ouvir. E também entendo porque são os pais dela. Ela os ama tanto quanto a própria vida. É uma coisa nossa, continuar amando os pais mesmo depois de eles terem quebrado nosso coração.

Achei que sabia o que era dor até ver Rafa fazendo as malas e passar pela minha porta. Antes de entrar no elevador, seu rosto triste se volta para o meu úmido pelas lágrimas. Retorço um lenço bordados nas mãos, mas não aguento e corro em sua direção agarrando seu pescoço. Ficamos abraçadas até sermos interrompidas pela porta do elevador se abrindo.

-Não se esqueça de que eu te amo- Digo quando ela entra na cabine do elevador e as portas começam a fechar. Juro que a ouvi sussurrar quatro palavras antes das portas se fecharem totalmente.

Eu também te amo. 

Atraídas pelo mesmo ritmoOnde histórias criam vida. Descubra agora