RAFAELA
Duh conseguiu me manter distraída a maior parte do tempo no fim de semana. Jogamos Minecraft durante horas e fizemos um pudim em sua cozinha de mármore brilhante para comer durante nossa maratona de jogos. Consegui manter longe boa parte dos pensamentos e das memórias daquele dia, mas a noite, sozinha no escuro, elas sempre voltavam para me assustar. Nessas ocasiões algumas lágrimas rolavam, mas as limpava rapidamente. A dor estava se transformando em ódio.
A pior parte nem foi essa. Foi ter que passar em casa para buscar minhas coisas hoje de manhã. Não tem como ir trabalhar sem o uniforme. Felizmente só tive que aguentar o olhar feio de minha mãe vindo da janela enquanto eu enfiava tudo em uma mochila.
Hoje, chego um pouco mais tarde no trabalho. Pela primeira vez na vida a policial pontual não é pontual. Isso deve ter assustado Tom, pois recebi algumas chamadas perdidas dele e de Steve no meu celular. Sim, ele me ligou por mais que eu tenha quebrado o coração dele em pedaços.
-Por que não nos atendeu?- Steve se senta à mesa ao lado da minha. Ele não tem a mesma intimidade para falar comigo como antes, então agora ele usa uma postura rígida. Isso também tem me matado aos poucos- Você está bem?
-Eu estava no trânsito- Respondo curta e grossa, com minha voz embargada pelo café.
Silêncio. Ele fica em silêncio, mas ainda sinto que me observa com aqueles olhos de cachorrinho abandonado que deveriam ter me conquistado. Ele quer me falar algo. Sinto isso.
-Eu vi que está namorando a Duh. Vi na revista. Queria desejar os parabéns.
O desconforto na voz de Steve faz meu estômago revirar. Eu já estava uma pilha de emoções, e com ele trabalhando ao meu lado e criando esse ambiente cheio de tensão me deixa pior ainda.
-Steve- Encosto na cadeira que range sobre meu peso- Nós podemos apagar aquele dia das nossas cabeças? Eu não aguento mais trabalhar nesse desconforto.
Seus lábios se comprimem em uma linha fina, pensando sobre o assunto, mas logo para meu alivio ele assente.
-Tudo bem. Desculpe-me por aquilo. Eu deveria ter pensando melhor antes de agir.
- Está tudo bem. Tem coisa que não dá para controlar- Esboço um pequeno sorriso para ele, aliviada por finalmente estarmos bem.
Depois de um dia lotado de trabalho e momentos que me fizeram questionar por que eu escolhi trabalhar com um bando de homens, volto para casa. Ou melhor, para o apartamento de Duh. Como chego mais tarde do que o costume, encontro Duh sentada em sua bela sala e Jenny ao seu lado.
-Rafa! Quanto tempo- Ela se levanta, ainda com a pequena bebê nos braços e me dá um rápido beijo na bochecha- Vi você aquele dia no hospital, mas com tanta gente nem consegui conversar com você.
-Estou com saudades de uma colega de trabalho. Trabalhar só com homens é difícil.
-Imagino. Logo estou de volta.
Sento-me ao lado de Duh no sofá, que aperta minha coxa levemente. Seus olhos verdes penetrantes encontram os meus e tenho vontade de beija-la imediatamente, mas não sei se Jenny se sentiria confortável com isso.
-Parece que a Leonor cresceu tanto desde aquele dia- Comento, quebrando o silêncio.
-Sim. Estou doida para vê-la correndo pela casa.
-Do jeito que ela cresce rápido não vai demorar muito- Diz Duh sorrindo quando Leonor segura seu dedo.
-E como estão às coisas na delegacia, Rafa?
-Estamos tendo trabalho com os traficantes da favela. Está um caos. Fora isso está tudo bem. Consegui fazer as pazes com Steve hoje.
-O que aconteceu entre vocês?- Pergunta Jenny. Com tudo que estava acontecendo esqueci-me de mencionar nosso desentendimento.
-Steve se declarou para mim umas semanas atrás- Antes de continuar, eu entrelaço minha mão na de Duh- Ele ficou aborrecido por saber que não gosto dele. Assim como eu não gosto de nenhum homem.
-Ah, claro- Jenny ajeita no Leonor no colo e sorri docemente- Fico feliz por vocês duas. Formam um belo casal.
-Obrigada- Meu rosto cora. Fico feliz que existam pessoas que não nos acham nojentas. Deixa-me bem mais leve sabendo disso.
Nem todas as pessoas são como sua mãe, diz minha mente. Preciso anotar isso em algum canto.
-Nossa eu preciso mesmo ir- Diz Jenny olhando a hora na tela do celular- Daqui a pouco está na hora de Leonor ir dormir.
- Vou te levar até a portaria- Oferece Duh pegando a grande bolsa amarela de borboletas de Leonor. Acredito que Jenny a carrega para todos os lados.
-Até mais Jenny. Foi ótimo te ver- Digo também me levantando.
Despedimo-nos e sigo para o banho. Eu precisava muito depois desse dia. Pensei que Duh demoraria mais para subir, por isso deixo a roupa no quarto e saio apenas de toalha. Acabo encontrando-a no corredor. Ela olha meu corpo coberto pela toalha de cima abaixo sorrindo e corando.
Para provoca-la, beijo-a. Amo a sensação de seus lábios quentes nos meus, sua língua tocando a minha. Duh me segurava firmemente contra seu corpo, mas me afasto abrindo a toalha e jogando-a no chão.
Acho que meu coração bate tão forte quanto o dela. O mundo fica em câmera lenta quando ela me puxa pro quarto e fecha as cortinas. Eu queria aquilo tanto quanto ela. Foi ai que eu percebi que ficar com Duh foi a melhor escolha da minha vida.
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Atraídas pelo mesmo ritmo
FanfictionRafa, uma garota pontual, chega à delegacia para enfrentar mais um dia de trabalho após uma tempestade. Ela esperava que seu dia fosse entediante e cheio de telefonemas sobre gatos presos em árvores e acidentes típicos, mas uma garota aparece na del...