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RAFAELA

É engraçado como as coisas mudam rápido. Em um dia estou dormindo na cama macia e sentindo o cheiro de Duh nos lençóis, e no outro estou de volta a minha pequena casa nos fundos da casa da minha mãe encarando o teto mofado.

Uma pequena aranha tece sua teia entre a porta e a parede. Os moveis estão com uma fina camada de pó e algumas roupas ainda estão esparramadas pelo chão. Eu não tive coragem de arrumar nada depois que cheguei.

É a terceira vez que o alarme toca ao lado da cama. Conheço bem esse som. É o que indica que ainda tenho quinze minutos para me arrumar e se ainda quiser ser pontual. Com um toque brusco desligo-o. Visto o uniforme, ajeito o cabelo e pego as chaves do carro.

No meio do caminho sou surpreendida pela minha mãe. Ela está com a mesma aparência de cansada que eu e parece ter emagrecido alguns quilos desde que papai foi internado. Nas mãos, ela carrega uma sacola com algo pesando no fundo que entrega a mim.

-Fiz uma marmita para você já que vai usar seu horário de almoço para visitar seu pai.

-Ah, obrigada.

Não esperava essa atitude gentil vindo dela depois de ter me arrancado da minha própria casa por gostar de mulher. Ainda não me sentia confortável quando estava ao seu lado, vivia preparada para quando ela resolver me atacar novamente como uma cobra atacando sua presa.

Graças ao meu terceiro alarme, consigo ser pontual. Tom me cumprimenta ao passar pela porta e conforme os minutos se passavam, os meus companheiros de trabalho chegavam e tomavam seus respectivos lugares. Para minha surpresa, Jenny aparece para trabalhar. Sua licença maternidade já deve ter acabado. Poxa! Não parece que faz tanto tempo que ela foi nos visitar no apartamento de Duh.

-Rafa!- Ela se se senta à mesa ao lado. Jenny ficou ainda mais bonita depois da gravidez, apesar de suas olheiras por conta das noites mal dormidas.

-Que surpresa! Nem acredito que sua licença já acabou.

-É porque não acabou. Eu não aguentava mais ficar em casa mofando!- Jenny ajeita o uniforme amarrotado e sorri- Eu precisava vir trabalhar.

-E como estão as coisas?- Pergunto enquanto beberico o café morno e termino de ajeitar a papelada.

-Está indo muito bem. Marques me ajuda tanto! Ele é um bom marido. E minha mãe está adorando tanto cuidar da nossa pequenina. Foi ela que insistiu para que viesse trabalhar.

-Isso é ótimo- Tento demostrar animação, mas acho que a perdi no caminho para cá.

-Ei, Rafa. O que aconteceu?

-Nada.

Jenny gira minha cadeira para que fique de frente para ela. Acho que nem adianta mentir, porque parece que ela adquiriu aquela coisa de mãe, aquele ar de que sabe de tudo.

-Meu pai está no hospital.

-Ah, Rafa! O que ele tem?

-Sofreu uma parada cárdica algumas noites atrás. Ele foi liberado para receber visitas, então vou vê-lo hoje no almoço.

-Lamento muito por isso. Posso acompanha-la se quiser- Jenny pousa a mão em meu braço. Aquele simples gesto me deixa um pouco mais calma. Acho que Jenny é minha segunda mãe agora.

-Não precisa se incomodar. Vou ficar bem.

Conforme as horas se passavam e a hora do almoço se aproximava, meu estômago dava cambalhotas. Eu até comeria a marmita que minha mãe preparou se não tivesse perdido a fome para o nervosismo.

Como sempre o hospital estava lotado de gente e tinha aquele cheiro forte de produto de limpeza. Uma enfermeira gentil me mostra o caminho até o quarto do meu pai. Não consigo entrar imediatamente, preciso de alguns minutos antes de vê-lo.

Nesses últimos dias tenho me sentido tão apavorada. Parece que eu estava sempre pisando no acelerador, fazendo meu coração disparar o tempo todo. Preciso me acalmar antes de qualquer coisa.

O quarto estava silencioso a não ser pela voz baixa que saia da televisão do quarto. Meu pai descansava sobre a cama, o peito subindo e descendo. Ele estava mais pálido do que o normal e ligado a diversas máquinas. Para minha surpresa seus olhos azuis, do mesmo tom que herdei, se voltam para mim e um leve sorriso aparece em seus lábios.

-Oi, pai. Como você está?

-Me recuperando minha filha. Sente-se.

A poltrona estrala ao me sentar. A grande mão do meu pai envolve a minha. Estranho isso, pois da última vez que o vi não parecia muito contente por descobrir os sentimentos que habita por debaixo da minha pele.

-Filha... Eu quero pedir desculpas por tudo que sua mãe disse. Você continua sendo uma pessoa incrível mesmo gostando de mulheres. E pensando bem, assim você não enfarta teu pai com a notícia que esta grávida, não é mesmo?

Até assim, debilitado pela parada cardíaca, ele consegue me fazer sorrir. Sempre foi assim, ele sempre estava junto comigo nos piores momentos. Ele se desculpa por uma coisa que nem fez. No fundo eu sabia que, por mais que ele não tenha gostado da noticia, não me expulsaria de casa.

-Está tudo bem- Digo tão baixo que duvido que mais alguém tenha ouvido.

-Sabe, quando estive na beira da morte me lembrei de que não importa o que você é. Se você gosta de homens, mulheres, extraterrestres... Isso não importa e não deveria fazer com que nos afastássemos de você. Sou muito velho e não me resta muito tempo nesse lugar, assim como sua mãe. Não deveríamos mantê-la longe por essa baboseira. Você me perdoa filha?

-É claro que sim pai. Claro que sim- Sua mão me puxa para que fique de pé. Sua testa encosta na minha com delicadeza e sua mão segura meu rosto.

-Sempre será bem vinda em nossa casa. E não se esqueça de que sempre terei orgulho de você, minha Rafinha. Independente do que seja.

Rafinha. Fazia anos que não ouvia esse apelido. Meu coração se aperta tanto por saudades quanto por amar tanto aquele homem que chegava a doer. Deixo as lágrimas correrem livremente pela bochecha. Eu havia segurado elas por tanto tempo que chegam como uma avalanche. Por sorte tenho aquele homem maravilhoso ao meu lado que sempre me apoiou para que eu não caísse. Queria que ele vivesse para sempre.

-Percebi que quando estava junto com aquela garota, seus olhos brilhavam mais. Você parecia mais viva. Quero que volte para ela, fique com ela. Quero ver você viva de novo.

-Está bem. Vou fazer isso pai.

Ficamos em silêncio. Sua mão acariciando a minha enquanto eu secava o restante de minhas lágrimas. Eu me sentia mais leve e ansiosa para voltar para Duh. Ela não merecia ver todas suas ligações rejeitadas e mensagens ignoradas depois de tudo que fez por mim. Acho que ela é meu destino, meu futuro. Está na hora de voltar.

Atraídas pelo mesmo ritmoOnde histórias criam vida. Descubra agora