60 - Póstumo

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 Esta morte foi a que mais afetou Vernya, afinal, tornou-se uma incógnita por toda a história. Quando Vassagia, a Arquidemônio que matou dezenas que viam aquele ritual macabro, sumiu, os Templários precisaram fazer algo. As famílias das Grandes Profetisas se reuniam diante do altar, onde o líquido vermelho tingia o chão e escorria pelos seus pés. Mesmo os três filhos de Verônica, que nunca se sentiram amados de verdade pela mãe, estavam chorando diante de seu corpo. Conjugês, filhos, filhas, netos, netas e bisnetos estavam lá em luto. Tudo que os sulistas puderam fazer foi ocultar aqueles corpos e se questionar se o sacrifício valeu a pena, pois não viram a cabeça do Rei Demônio rolar pelo chão.

Os magos tentaram desvendar para onde Vassagia teria ido, mas nada conseguiram. Os Templários tentaram manter a ordem e dispersar a multidão que se aproximava. Não era possível dizer o que foi mais derramado naquele dia, lágrimas ou sangue. Porém, foi em meio a tamanha tragédia que o Sul começou a mudar. Sempre haverá oportunistas à espreita, tentando se aproveitar de qualquer que seja a chance para conseguirem o que querem.

Com a morte das Grandes Profetisas e da Pontífica, tanto a igreja quanto as prefeituras ficaram sem sua liderança unificada. De certa forma, a autonomia dos prefeitos tinha sido restaurada, mas havia movimentos religiosos de irmãos devotos que juravam que o Rei Demônio estava morto e, por isso, a Igreja precisava ser renovada. Ao mesmo tempo, havia aqueles que discordavam e que insistiam em se preparar para o pior. Esses se tornaram líderes políticos de partidos teocráticos que discordavam da morte de Baal e que acreditavam em outras formas de governo. Os partidos eram os progressistas, que acreditavam tanto em uma renovação de como o poder funcionava e que não deveria ser absoluto na mão das Profetisas, assim como na morte do Rei Demônio, e os conservadores, que acreditavam que o mal ainda espreitava e que somente através das Profetisas que poderiam evitar o pior.

Sônia de Humildade se aposentou. Não só não havia mais motivos para dar continuidade com o seu serviço como criada da Igreja, como também não havia mais valor naquilo para ela. Nunca o fez por dinheiro, afinal, a família de Humildade não era tão humilde assim. Tudo que fazia, fazia por Amália. Paciência, porém, tem limite. A contra gosto, casou-se com um homem escolhido por sua mãe para manter a linhagem e gerar uma possível futura profetisa na família.

Mudanças não aconteceram só no Sul, mas também no Leste. Os investimentos feitos pelos Vizires foram extremamente altos, de tal forma que causaram revolta em boa parte da população. Porém, a atitude do Grão-Vizir Selim Nunca-Morto irritou alguns lestinos. Foi arrogante demais ao ignorar o inimigo do mundo e o motivo todos sabiam. O Vizir Gilgamesh havia ignorado seus problemas anos atrás. Vizir esse que, mesmo que não fosse a exata verdade, provavelmente era o culpado dos ataques em seu Território. Haviam aqueles que concordavam com Selim. O 'investimento' contra o Rei Demônio fora tolice, desperdício e apenas fez estrangeiros lucrarem. Como podiam ousar em apoiar uma causa tão ridícula? Tais Vizires deveriam ter seus títulos e terras tomadas.

Foi com esses motivos que o Leste entrou em guerra civil. De um lado, Selim tentava evitar uma matança desenfreada sem muito sucesso, do outro, os Vizires rebeldes montavam grupos para exigir a queda do Grão-Vizir e um novo governo para todos. A revolta também se espalhava entre a população e entre os Amires, alguns apoiando ou não Selim, mesmo se a opinião fosse contrária a de seu Vizir.

No Norte foi onde a normalidade mais foi jogada para cima. O tão eterno e infindável tapete branco e suas temporadas de inverno prolongadas simplesmente deixaram de existir. Ainda nevava, claro, mas não de forma impiedosa que sempre fora. O degelo dos campos e das regiões permitiu não só o entusiasmo dos fazendeiros, como descobertas inimagináveis de masmorras em lugares nunca antes vistos. Era tempo de investir para os investidores, explorar para os exploradores e cultivar para os cultivadores. Sem o chifre de Ashmadai, a atração natural que os demônios tinham pelo Norte simplesmente desapareceu, exceto para um demônio.

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