O Mago Professor olhou para o Advogado Feral de cima a baixo com morbidez nos olhos. Não queria responder, mas era obrigado, já que o amigo tinha invadido sua casa. Baltazar respirou fundo inalando o odor fétido do próprio corpo enquanto disse:
— O que queres?
— Primeiramente, reclamar que não vieste ao batizado do meu filho, isso era sua obrigação como padrinho dele, sabia?
— Reclame com Amália também. Ela também não era madrinha? — Ele queria rir com a piada, mas só a menção do nome dela doía, mesmo de seus lábios.
— ... Eu sei que está sendo difícil de lidar, mas não podes deixar abalar tanto assim, Baltazar! Faz quase três meses que estás aqui enfurnado.
— E vou ficar aqui até morrer, a casa é minha mesmo. Ninguém pode me expulsar daqui.
— Baltazar, entendo a tua dor, mas ficar nesse isolamento só vai aumentar o sofrimento. Tu deverias ter ido ao batismo, mesmo que fosse difícil... Ver gente, partilhar momentos... Pode ser doloroso, mas também pode ser curativo, acredita em mim.
— Ah, sim, claro. Ver famílias felizes e seus filhos, isso me ajudaria muito agora que perdi a mulher que amo. Com certeza. — Coçou o queixo enquanto ponderava. A ironia da fala parecia tornar seus olhos ainda mais opacos, indescritíveis.
— E ficar aqui dentro se martirizando vai ajudar como, exatamente? Isso não vai trazer ela de volta e muito menos vai te fazer esquecer a dor! Só estás afastando todos de ti e isso não ajuda em nada na sua vida.
— Da minha vida cuido eu, de Honesto. — O tom de voz sugeriu uma ameaça que o fez recuar.
O Feral Alado sempre fora um pouco tolo, mas no que se tratava de problemas pessoais era completamente leigo. Não sabia o que mais dizer ou como ajudar o amigo. Nunca havia passado por uma situação sequer parecida. Estava impressionado de não ter sido agredido até agora, pois sempre soube o quão irritado e violento o colega poderia ser. Realmente achou que compartilhar um pouco de felicidade ajudaria ele, afinal, carregava também algumas notícias ruins das quais precisava falar. Suspirou, e quando ia falar, Baltazar o cortou:
— Mais alguma coisa ou tu já podes ir embora?
— Tenho, na realidade. Acho que não tens lido as notícias recentemente.
— Só tem uma notícia que quero saber: onde ela está. O resto eu não me importo, até Astierr me abandonou, pelo visto...
Não soube como responder aquilo, afinal, sabia o motivo do suposto 'abandono' do Titã Furioso. Finalmente, começou a explicar os eventos que se sucederam nos últimos meses. Baltazar escutou calado e de olhos arregalados sobre a questão de Arquidemônios ameaçando toda população verniana, até mesmo no Leste houveram ameaças e sabotagem. Havia certa tensão nas mãos de Guarda-Livros ao ouvir essas notícias.
— Achei que os de Bravo tinham afastado os demônios de Vernya...
— Pelo visto a profecia não dizia 'para sempre', não é? — Baltazar disse com sarcasmo.
— Isso me leva a segunda má notícia.
— Tem mais??
— Por algum motivo que não entendo, quando o Oráculo fez a invocação de novos heróis para nos socorrer, quiseram fazê-lo de forma oculta. Porém, a parte sulista da minha família ainda é minimamente influente e bem informada, mesmo que sem recursos para nada quanto a matéria. Conseguiram acesso a essa informação e nos passaram aqui no Oeste. Como recusamos a ajudar os de Bravo anos atrás, consegui convencer tanto a família quanto a junta comercial para financiar novamente uma empreitada contra os Arquidemônios.
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Limiar da Realidade
PertualanganEssa será uma história com um ângulo diferente de um dos maiores tropos usados nas ficções e fantasia: heróis de outro mundo (ou isekai, como preferir). Não acompanharemos adolescentes, tiozões, empresários, trabalhadores de escritório, estudantes d...