Capítulo 1: O Despertar de Anemone

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Na aldeia encravada entre o marulhar do oceano e o sussurrar dos altos carvalhos, a vida desdobrava-se em uma cadência tão previsível quanto as estações. Exceto, é claro, quando o vento decidia contar suas histórias. Nessas ocasiões, a aldeia inteira parecia segurar o fôlego, suspensa em uma expectativa silenciosa. Mas ninguém naquela pequena congregação de casas de pedra e caminhos de terra compreendia a linguagem do vento tão profundamente quanto Anemone.

Naquela manhã, o sol ainda não havia despontado no horizonte, mas Anemone já se encontrava de pé, como se tivesse sido acordada por um chamado inaudível para os demais. Ela era como uma flor que se abre não para o sol, mas para a brisa que antecipa a alvorada.

Seus pés descalços mal tocavam o chão frio enquanto ela se dirigia para o exterior da casa modesta, deixando para trás o calor da lareira que ainda guardava as últimas brasas da noite anterior. Seus olhos, de um verde vibrante, refletiam o céu prateado da madrugada, e seu cabelo castanho esvoaçava ao redor de seu rosto em uma dança harmônica com o vento.

Era o dia de seu aniversário, o dia em que completaria dezessete anos, e na tradição de sua família, não um dia qualquer. Era o dia em que a matriarca da linhagem passava o conhecimento ancestral para a próxima escolhida. E Anemone sempre soubera, mesmo sem que palavras fossem ditas, que ela era a próxima a carregar o legado de sua família, um legado tecido em magia e fortalecido pelo elemento mais caprichoso e livre de todos: o vento.

Caminhando pela trilha que levava ao ponto mais alto do penhasco que guardava a aldeia, Anemone sentia seu coração bater em um ritmo que parecia ecoar o pulsar da própria terra. O vento a seguia, brincalhão, acariciando sua pele e sussurrando em um dialeto que só ela entendia. Ele trazia vozes distantes, folhas secas, promessas de mudança.

Ao chegar ao topo, com a respiração ofegante não pelo esforço, mas pela emoção do que estava por vir, Anemone ergueu os braços como se quisesse abraçar o céu que começava a se tingir com as primeiras luzes do amanhecer. Ela não temia o desconhecido, ela o acolhia.

O vento cresceu em intensidade, como se respondendo ao seu gesto, envolvendo-a em um redemoinho que parecia dançar ao seu redor. Então, uma voz que não era voz alguma, um sentir mais do que um ouvir, falou dentro dela, cheio de calor e poder.

"Anemone, filha da brisa e da tempestade, é chegada a hora de despertar. O fogo que arde em seu espírito e o sopro que orienta sua jornada agora devem se unir. Ouve-me, pois eu sou o vento, e eu sou teu."

As palavras, carregadas de um calor que nada tinha a ver com o frio da manhã, encheram-na de uma força nova. Uma força que ela sempre soubera possuir, mas que agora parecia mais presente, mais palpável.

Anemone abriu os olhos, que por um momento haviam se fechado, e olhou para o horizonte. Lá, onde o céu encontrava o mar, ela viu o novo dia nascer. E com ele, sentiu-se renascer, não mais apenas como a garota da aldeia, mas como algo mais. Algo que o vento havia despertado.

Enquanto a aurora desenrolava seu manto de luz sobre a aldeia, Anemone permanecia imóvel, como uma sacerdotisa diante do altar de um mundo que apenas despertava. Ela podia sentir o toque das primeiras ondas de calor solar banhando sua pele, mas era o vento que a envolvia, que falava às camadas mais profundas de sua alma.

"E agora, Anemone," disse a brisa em sua língua misteriosa, "agora você começa a tecer os fios do seu destino, fios que o vento irá soprar para além dos confins do visível."

A aldeia abaixo ainda dormia, e nesse silêncio sagrado, Anemone podia ouvir as vozes de sua linhagem. A melodia de sua mãe, a sabedoria de sua avó, o riso das ancestrais que ela nunca conhecera. Todas elas bruxas, todas sussurrando através do tempo, passando adiante o legado que hoje pulsava no coração de Anemone com a força de um vendaval.

Ela sabia que o caminho à frente era como o voo do vento: imprevisível, cheio de reviravoltas, descidas vertiginosas e elevações até as alturas mais puras. A magia de sua família estava entrelaçada com o elemento do ar, e cada sussurro do vento era uma peça do grande tapeçaria da existência que apenas ela podia desvendar.

Descendo o penhasco, ela deixou que seus pés a guiassem. Eles a levaram para a floresta, onde o dossel das árvores suspirava com o despertar do dia. O orvalho ainda adornava cada folha, cada flor, cada fio de teia de aranha com pequenos diamantes líquidos. O ar estava fresco e cheio de promessas.

Foi então que Anemone ouviu o som de passos suaves atrás de si. Ela se virou e viu sua mãe, Mariah, com os mesmos olhos verdes e a mesma maneira serena de andar que fazia parecer que ela mal tocava o solo.

"A jornada de uma bruxa nunca é silenciosa, minha filha," Mariah falou com uma voz que carregava o peso e o conforto de uma antiga canção de ninar. "Mesmo quando o mundo está calado, a magia sussurra. Hoje, você vai aprender a ouvir não apenas com seus ouvidos, mas com cada fibra do seu ser."

Mariah aproximou-se e entregou a Anemone um antigo colar, um círculo de prata com um cristal no centro que capturava a luz da manhã. "Este é o Lágrima do Vento, usado por muitas gerações em nossa família. Ele vai ajudá-la a concentrar a sua energia, a escutar ainda mais profundamente e a entender os murmúrios que o vento traz para você."

Anemone sentiu o peso frio do metal contra sua pele e o calor do cristal como um eco de seu próprio coração. Era uma responsabilidade, um presente e um desafio.

"Eu estou pronta," ela disse, sua voz firme mais do que ela esperava.

Mariah sorriu, e com um gesto da mão, convocou uma leve brisa que fez o colar balançar. "A magia está em você, como está no vento. Cresça com ela, deixe-a ser sua guia e sua companheira. E nunca esqueça que, embora o caminho possa ser solitário às vezes, o vento sempre estará ao seu lado."

As duas caminharam de volta para a aldeia juntas, mãe e filha, mestra e aprendiz, enquanto a floresta ao redor acordava. E com cada passo, Anemone sentia o poder do vento fluindo através dela, sussurrando as primeiras palavras do seu destino.

Este era o despertar de Anemone, o primeiro capítulo de sua verdadeira história, o início da sua dança com os "Sussurros do Vento".

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