Capítulo 4: A Trilha do Orvalho

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A madrugada trouxe consigo o orvalho e um silêncio quase sagrado. A bruma matinal abraçava a terra com um manto delicado e frio, e Anemone sentia a umidade no ar penetrar suavemente em seus pulmões. Ela estava de pé antes mesmo de o sol espiar por entre as copas das árvores, pronta para começar sua peregrinação até o Coração da Floresta.

Ela vestiu a túnica verde-escuro que se misturava com a paisagem, pegou o cajado entalhado que fora de sua avó e prendeu o colar "Lágrima do Vento" em volta do pescoço. Sentia o peso da jornada, mas também o leve sopro de excitação. Antes de partir, Mariah se aproximou, entregando-lhe uma pequena bolsa de ervas e um frasco de um elixir azul brilhante.

"Para proteção e clareza," disse sua mãe, seus olhos verdes cheios de orgulho e preocupação.

Anemone assentiu, guardando os itens com cuidado. "Eu voltarei antes do próximo luar," ela prometeu, embora uma parte dela soubesse que as promessas feitas diante do desconhecido eram como folhas ao vento, vulneráveis aos caprichos da tempestade.

Assim que cruzou o limite da aldeia, a natureza a recebeu com um sussurro quase audível, como se a própria essência do mundo estivesse lhe dando as boas-vindas. A trilha que levava ao coração da floresta não era marcada por sinais visíveis, mas por sensações e uma ligação intuitiva com a terra. Anemone sentia o chamado da floresta em seus ossos, um puxão magnético que guiava seus pés.

Enquanto caminhava, o sol começava a dourar a paisagem, os primeiros raios cortando a névoa e iluminando a teia de aranha que se tornavam pequenos colares de diamantes efêmeros. O chilrear dos pássaros formava uma melodia que acompanhava seus passos, e o vento brincava com seus cabelos, sussurrando segredos antigos.

Depois de horas de caminhada, Anemone se encontrou em um lugar onde as árvores pareciam mais antigas, seus troncos grossos contorcidos em formas que sussurravam de eras passadas. As folhas acima dela formavam um dossel tão denso que pouco sol conseguia penetrar. O ar estava impregnado com o aroma de musgo e terra úmida, e cada respiração parecia encher Anemone de uma energia antiga e poderosa.

Então, ela chegou a um riacho, suas águas claras cantando sobre pedras suaves. Anemone sabia que era o Riacho do Orvalho, o último marco antes do Coração da Floresta. Diziam que beber de suas águas poderia oferecer visões e insights, mas também era um rito de passagem. Com um olhar decidido, ela se inclinou e encheu a palma da mão com a água fria, bebendo e sentindo a frescura se espalhar por seu ser.

Era como se cada gota contasse uma história, uma memória da floresta que agora fluía através dela, conectando-a mais profundamente à terra. Levantando-se, ela sentiu uma claridade em sua mente, como se o véu que obscurecia sua visão interna tivesse sido levantado.

Continuando sua caminhada, Anemone percebeu que a floresta começava a mudar. As árvores se abriam para uma vasta clareira onde a luz do sol banhava o solo repleto de flores silvestres. E lá, no centro, estava o que ela buscava: o Antigo Carvalho, tão imenso que parecia conter a própria história do mundo em seu cerne.

Ao se aproximar, Anemone sentiu o poder vibrante que emanava do lugar. O Carvalho parecia vivo, ciente de sua presença, seus galhos estendendo-se como se quisessem tocá-la. Ela deu mais alguns passos cautelosos, e a atmosfera ao redor do Carvalho se intensificou, o ar carregado de uma expectativa silenciosa.

O tronco do Antigo Carvalho estava entalhado com símbolos que Anemone reconheceu das páginas dos livros antigos que havia estudado. Eram marcas da magia ancestral, a linguagem do mundo natural que poucos podiam ler e ainda menos podiam falar. Com as pontas dos dedos, ela traçou as gravuras, sentindo uma energia quente fluir para dentro de si, conectando-a ainda mais ao fluxo da vida que corria invisível ao redor.

Anemone fechou os olhos e respirou fundo, ouvindo o som do vento dançando através das folhas, falando em tons que apenas o coração poderia entender. Ela abriu-se para essa voz, deixando-a preencher cada parte de seu ser. O mundo à sua volta parecia se expandir e contrair com um ritmo pacífico, como se estivesse respirando junto com ela.

Foi então que as visões começaram.

Elas vieram primeiro como brilhos de luz na escuridão atrás de suas pálpebras fechadas, depois como flashes de lugares que ela nunca tinha visto antes: uma montanha coberta de neve sob um céu estrelado, uma torre alta tocando as nuvens, um deserto vasto e interminável com areias dançantes. E entre essas imagens, uma sensação, um conhecimento sem palavras: era a jornada que ela precisava empreender, os desafios que enfrentaria e as forças que ela invocaria.

Com um sobressalto, Anemone abriu os olhos. O mundo havia se transformado. Não fisicamente; a clareira ainda estava lá, tranquila e banhada pela luz do sol, o Carvalho Antigo ainda em seu lugar imponente. Mas a forma como ela via tudo isso tinha mudado. Ela podia ver a energia vital tecendo-se em torno das plantas e árvores, podia sentir o pulsar da terra sob seus pés e entender a linguagem do vento.

Ao olhar para suas próprias mãos, ela viu faíscas de luz dançando sobre sua pele, e soube que algo dentro dela havia despertado. Uma força, um poder que sempre estivera lá, mas que precisava da chave certa para ser liberado.

Ela sabia agora que não era apenas uma estudante ou uma filha seguindo os passos de sua linhagem. Ela era Anemone, aquela que fala com o vento, uma bruxa cujo nome e destino estavam entrelaçados com os sussurros do vento e os segredos do mundo.

Levantando-se, Anemone olhou mais uma vez para o Antigo Carvalho, uma expressão de gratidão e determinação em seu rosto. Era hora de retornar à sua aldeia, mas ela não seria mais a mesma pessoa que tinha saído ao raiar do dia. Ela carregava agora a essência do Coração da Floresta, o legado de seu povo e a promessa de uma jornada que apenas começara.

Agora com Anemone de pé na clareira, uma bruxa verdadeira pronta para enfrentar o desconhecido, com o coração e a alma afinados com os sussurros do vento e os murmúrios da terra. A jornada a seguir seria sua grande iniciação, e cada passo que desse, cada palavra que proferisse, cada feitiço que entoasse, seria um ato de poder, um hino à vida e um desafio aos céus.

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