O sol já declinava para o oeste quando Anemone deixou o jardim encantado para trás. Seu coração, embora pesado com a despedida, também estava mais leve por causa do encontro na clareira secreta. A estrada à sua frente parecia menos intimidadora, como se cada passo estivesse impregnado de uma certeza tranquila.
A viagem a levou através de uma densa floresta onde a luz do sol mal penetrava entre as folhas entrelaçadas acima. A sombra das árvores criava um mundo crepuscular onde os sons da vida diurna davam lugar ao sussurro das folhas e ao ocasional estalo de um galho sob os pés cautelosos de alguma criatura da floresta.
Era nessa penumbra que as memórias começavam a tecer sua trama em torno de Anemone. Ela lembrava das histórias contadas ao pé da lareira, das canções antigas que falavam de heróis e monstros, de amores perdidos e encontrados, e de magias tão antigas quanto o próprio tempo. Cada passo parecia evocar uma história, e com elas, as sombras de seu próprio passado começavam a se manifestar.
Anemone se via novamente como uma criança, correndo pelos campos, rindo e chamando pelo vento como se fosse um velho amigo. Ela via sua mãe, de pé na porta da pequena casa, observando-a com um sorriso terno e olhos cheios de um amor inquebrantável.
Mas nem todas as memórias eram calorosas e cheias de luz. Havia sombras também, sombras que vinham à tona agora que ela estava sozinha, sem as distrações do jardim mágico ou o conselho sábio de sua mãe. Havia momentos de medo, quando tempestades irrompiam com fúria, fazendo a jovem Anemone se encolher, apesar de seu fascínio pelo vento.
Ela também se lembrava de ter se sentido diferente, isolada das outras crianças da vila que riam e sussurravam sobre a menina estranha que falava com o vento e colhia ervas sob a luz da lua cheia. Havia momentos em que Anemone desejava ser como eles, simples e não tocada pela mão da magia.
Perdida em pensamentos, Anemone mal percebeu o céu escurecer, anunciando a chegada iminente da noite. Foi o som de uma coruja, um chamado claro na escuridão crescente, que a trouxe de volta para o presente. A floresta noturna tinha uma qualidade mágica, mas também perigosa. Sabendo que não deveria viajar sem luz, ela encontrou um lugar seguro para acampar.
Enquanto acendia uma pequena fogueira com gravetos secos e o calor de suas palavras mágicas, Anemone refletiu sobre as sombras que a acompanhavam. A noite, pensou ela, é como o coração de uma pessoa: cheia de segredos e profundezas desconhecidas, de medos e desejos, de sonhos e advertências.
Ela olhou para as chamas dançantes e permitiu-se sentir tudo o que vinha a ela – a solidão, a saudade, a incerteza – sabendo que até mesmo a escuridão mais profunda não podia apagar a luz que ela carregava dentro de si.
Enquanto o fogo crepitava, e a lua surgia entre as nuvens, banhando a floresta em uma luz prateada, Anemone sentiu-se fortalecida. Suas sombras, uma vez reconhecidas e aceitas, tornavam-se parte de sua força. Amanhã, ela continuaria sua jornada, não apenas guiada pelo vento, mas também pelas lições aprendidas com as sombras do passado.
Com a noite profundamente estabelecida ao seu redor, Anemone se entregou à vigilância da lua, confiando na quietude do fogo que a protegia. A floresta estava viva com os seus próprios murmúrios e movimentos, cada um um sinal da teia da vida em que ela estava intricadamente entrelaçada. Os olhos fechados, ela respirava fundo, trazendo o ar noturno para seus pulmões, deixando-o contar-lhe as histórias silenciosas da noite.
À medida que as horas passavam, os sons da floresta mudavam. O canto noturno das aves e o farfalhar dos animais noturnos davam lugar a um silêncio expectante. Era como se a própria floresta estivesse respirando em uníssono, em pausa, aguardando algo. E em meio a esse silêncio, Anemone sonhava.
Seus sonhos eram tecidos com o mesmo fio que conectava todas as coisas: o destino, a esperança e o medo, a luz e a escuridão. Ela se viu caminhando por um corredor de árvores, seus passos ecoando com uma reverberação que parecia chamar por ela. As sombras se moviam, mas não de uma forma ameaçadora; elas dançavam ao ritmo de uma canção antiga, uma canção de nascimento e renovação.
No sonho, uma figura aparecia diante dela, uma mulher cuja presença era tanto reconfortante quanto misteriosa. Ela estendia a mão para Anemone, e na sua palma havia uma semente brilhante. "Plante isso", dizia ela, "no lugar onde a luz e a escuridão se encontram. Plante isso onde suas sombras mais profundas dão lugar ao seu maior poder."
Anemone acordou com a sensação do toque da mulher ainda em sua pele. A fogueira havia se reduzido a brasas, lançando um brilho suave e quente. A ideia de plantar uma semente onde suas próprias sombras mais escuras encontravam a luz parecia um enigma, mas ela sabia intuitivamente que era uma parte essencial de sua jornada.
Levantando-se, ela alimentou o fogo novamente, permitindo que a luz afastasse o frio da noite. Ela pensou sobre as sombras e a luz, sobre os desafios e os dons que a magia trouxera à sua vida. Com a alvorada se aproximando, ela decidiu que assim que o dia quebrasse, ela faria um pequeno ritual, um compromisso de honrar tanto a luz quanto a escuridão dentro de si.
Quando as primeiras luzes do amanhecer tocaram o horizonte, tingindo o céu de laranja e rosa, Anemone estava pronta. Ela pegou um punhado de terra, fechou os olhos e falou palavras de aceitação e esperança. Não havia semente física, mas naquele gesto simbólico, ela plantou a semente de seu sonho, a semente de seu verdadeiro eu, naquele solo sagrado.
O sol nascente banhou-a em luz dourada, e ela sentiu o calor penetrar em sua alma, dispersando as últimas sombras da noite. O capítulo da noite terminou, e um novo capítulo se iniciava com o nascer do sol. Era hora de continuar, com as lições da escuridão gravadas em seu coração e a promessa da luz guiando seu caminho.
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Sussurros do Vento
Romance"Sussurros do Vento" é um convite para cruzar o véu entre o comum e o extraordinário, uma viagem ao cerne da alma onde cada brisa narra uma saga ancestral. Na voz de Anemone, filha do vento e bruxa da vida, descobrimos que cada rajada e cada sopro s...