Lendas Errantes - Ato I: Projeto ampulheta.

O Prisma e o Tempo.

O tempo é uma força implacável, que rege o fluxo natural das coisas. Ele é a única coisa que consegue modificar o espaço em sua essência.

No antigo mundo, a humanidade ambicionou mexer com essa força. Um esforço coletivo de séculos de cientistas, pensadores, religiosos e pessoas de todas as classes sociais resultou no Projeto Ampulheta, uma máquina capaz de viajar no tempo.

Essa máquina era capaz de fazer coisas incríveis, como fazer uma maçã podre voltar à sua forma mais perfeita ou trazer aqueles que já partiram de volta. No entanto, havia um preço a ser pago: o uso do Projeto Ampulheta iniciava um efeito borboleta cíclico pelo mundo.

O tempo é a balança do mundo. Enquanto ele estiver correndo como o previsto, a balança se equilibra. Mas um grão de areia movido do lugar é o suficiente para causar catástrofes de dimensões inimagináveis.

Para fazer o mecanismo funcionar, era necessário toda energia do Prisma, um objeto com o poder de alterar o mundo a sua volta. Além disso, era necessário um Receptáculo Nulo, uma pessoa com um corpo apto a se adaptar rapidamente a tudo que é exposto. De preferência, essa pessoa deveria ser jovem, pois o sacrifício necessário para ativar o Projeto Ampulheta drena o tempo de vida restante do Receptáculo.

Quando o processo termina, o Prisma fica irradiado com uma energia serena e que pode ser controlada apenas por simples comandos mentais. Essa energia é capaz de modificar o tempo-espaço a sua volta. No entanto, se não houver controle, o resultado é V.

V era a única pessoa que havia sido exposta a essas partículas completamente. A princípio, a pessoa exposta apenas seria desintegrada na hora, mas o tempo pode ser imprevisível às vezes. Um ser de origem desconhecida que vagava entre o material e o vazio viu ali uma oportunidade: uma oportunidade de seguir no mundo material e resolver seus próprios assuntos. O corpo do jovem era frágil e sua mente estava quebrada, pelo menos era o que esse ser pensava.

No entanto, uma mente quebrada não significa que a mente esteja frágil. O ódio, agonia, sede e ganância humanas são insuperáveis. V suportou a possessão, começando um processo lento de fusão de dois seres em um. A disputa pelo corpo não existia, pois V era considerado um ponto nulo no tempo, mas ao mesmo tempo ele ainda vivia. Portanto, a assimilação era gradual.

Esse ser já havia sido retratado em algumas mitologias do mundo. Sua foice era interpretada como se fosse de diamante, um titã que devorava seus próprios filhos, uma tecelã que tecia as linhas do tempo. Seu nome ficou gravado nas mentes das pessoas graças à entropia do mundo: Cronos estava retroativamente presente na história da humanidade.

Por mais que seus poderes não pudessem ser exercidos no mundo físico por sua própria vontade, V conseguia fazê-lo em menor grau por conta de sua natureza terrena. No entanto, o uso contínuo das habilidades acelerava o processo de assimilação.

Cronos retirou sua mão da cabeça de V, transferindo toda a explicação para a mente do rapaz de uma só vez. V ficou semi-catatônico, uma rachadura pairando sobre sua cabeça.

— Eu não quero te matar, não sou seu inimigo, sou apenas o destino. Eu digo para não se esforçar, pois a assimilação é inevitável. Logo não existirá V, apenas eu. E acredite, será assim. Você não está preparado para lidar com o que está por vir. Espectro já é uma barreira insuperável para você. — Cronos ficou estático na frente de V. — É melhor você contar logo para a garota, evite o sofrimento.

Uma lágrima solitária rolou pelo rosto de V, lentamente ele começava a recobrar a sanidade. — Um segundo, uma chance, um golpe... Eu só preciso de uma chance para provar que consigo. Consigo resolver tudo aqui antes de você tomar meu corpo. — V disse, se aproximando de Cronos. No entanto, entre eles parecia haver uma distância infinita.