Ao raiar de uma nova era em Nova Randalor, os primeiros raios de uma alvorada relutante teciam fios de ouro entre as nuvens cinzentas, prometendo uma luz suave, mas persistente, sobre as cicatrizes de uma cidade marcada pela guerra. O sol, ainda tímido e parcialmente velado, espargia um brilho dourado que envolvia cada rua e beco, sussurrando promessas de renovação. As ruas, recém-banhadas em sangue e heroísmo, começavam a se esvaziar, enquanto os sobreviventes, exaustos mas resilientes, traçavam seus caminhos de volta para o abraço reconfortante de seus lares. Acima deles, uma fenda flamejante, lembrança indelével da batalha, rasgava os céus — um testemunho mudo da dor e da esperança entrelaçadas no tecido daquela nova alvorada.
Dentro desse quadro de renascimento e memória, os primeiros raios do sol se infiltravam através de uma janela modesta, banhando uma cama de hospital na suave luz do amanhecer. Ali, entre lençóis que cheiravam a desinfetante e lavanda, V lutava para emergir das profundezas de um sono febril, cada fôlego um testemunho de dor e perseverança. Seu corpo, um mapa de contusões e cicatrizes recentes, mal podia sustentar a vida que teimava em se agarrar a ele, transformando cada segundo em uma eternidade de agonia silenciosa. Contudo, com um esforço hercúleo que rasgava o véu da inconsciência, ele começava a abrir os olhos, lentamente aclimatando-se à luz que prometia um novo começo.
A visão que o acolheu, assim que conseguiu banir a névoa da dor e do delírio, foi tão surpreendentemente suave que poderia muito bem ser um bálsamo para sua alma atormentada. Sunna, estava lá, uma silhueta serena contra o crescente clarão do amanhecer. A luz do sol começava a beijar sua face, emoldurando-a em tons de ouro e âmbar, um contraste vivo contra as sombras que ainda lutavam para manter seu domínio no quarto.
— Você está acordado? — Sunna disse, sua voz um sussurro suave, mas carregado de emoção. Ela se aproximou, os primeiros raios do sol dançando em seus cabelos, tecendo auroras pessoais que iluminavam seu sorriso aliviado. — Você lutou para voltar para nós. Como você se sente?
Com a voz embargada pela dor e pela maravilha da própria sobrevivência, V tentava articular a estranheza de seu despertar. — É como se eu tivesse morrido... eu... eu sinto cada célula do meu corpo... acordando... nossa... — Suas palavras eram interrompidas por suspiros de assombro, enquanto ele tentava, inutilmente, erguer-se da cama. O movimento, mais um desejo do que uma ação verdadeira, era um testemunho do tumulto interno que enfrentava, uma luta entre a vontade de viver plenamente e as limitações de seu corpo recém-curado.
Sunna, com um gesto firme mas gentil, o impedia de levantar, suas mãos guiando-o de volta aos travesseiros com uma ternura quase maternal. — Não faça esforços. — Ela advertia, sua voz tingida de preocupação e carinho. — Se recupere primeiro. Aquele robô logo logo vai chegar pra checar seu estado. Vamos aproveitar enquanto isso. — Sua postura, ao lado dele na cama, era a de uma guardiã, pronta para proteger e confortar, a personificação da força serena.
Da bolsa repousada aos pés da cama, Sunna retirava uma garrafa de vinho Shuranês, o mesmo que beberam antes de iniciarem sua investida contra o D.A.D na redoma. A garrafa, um artefato quase místico nas suas mãos, refletia o pouco da luz que se infiltrava no quarto, lançando reflexos dançantes sobre os rostos despreocupados dos jovens.
— Vamos aproveitar este momento... apenas nós dois. — Sunna sussurrava, preparando-se para abrir a garrafa. A intenção não era apenas celebrar a sobrevivência ou marcar o início de uma nova fase, mas também criar um espaço de intimidade e conexão, um refúgio temporário das adversidades externas e das batalhas internas que V enfrentava.
O ar se enchia de uma leveza inesperada quando V, com uma expressão de surpresa genuína e tocada por um traço de humor, questionava a mudança na postura de Sunna. — Nossa, desde quando você ficou tão carinhosa assim? — A tosse rouca que se seguia, uma pequena revolta do seu corpo ainda em recuperação, mal o impedia de estender a mão para tomar a garrafa de vinho das mãos de Sunna. Ele então bebia um gole generoso, um desafio silencioso às suas próprias limitações físicas.
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Lendas Errantes - Ato I: Projeto ampulheta.
ActionVidro ou V é um jovem com poderes temporais voláteis que luta para controlar suas habilidades e evitar sua própria morte. Em uma cidade murada, V se une a um grupo de rebeldes que buscam derrubar o governo opressivo que domina a cidade. Mas, quando...