Capítulo 13

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Segundas-feiras eram as piores. Nos outros dias da semana, a Jang-mi estava pra cima e pra baixo com algum dos advogados, em audiências, reuniões com clientes ou discutindo os processos. Às vezes eu era o único no sobrado o dia todo, eles tinham até me dado uma cópia da chave da porta e a senha do alarme. O escritório era especializado em processos trabalhistas contra grandes empresas da região, por isso estavam em expansão e, com sorte, abririam uma filial em Viradela e eu poderia ir trabalhar a pé.

Mas nas segundas nunca havia audiências e as reuniões eram raras, então a minha insuportável colega passava o dia na mesma sala que eu, lendo pilhas de papéis, fazendo ligações e, ainda assim, tendo tempo pra reclamar de tudo o que eu fazia.

A Evellyn tinha me ensinado o serviço, mas a Jang-mi me encaminhou dezenas de e-mails com as mesmas instruções. Li dois ou três e ignorei o restante quando percebi que eram inúteis. Ela jurava que era minha chefe, mas não era. Ela jurava que era uma advogada e se vestia pra parecer uma, mas ainda não era. Ou seja, a garota só se achava. Se alguém fosse chefe de alguém ali, seria eu, afinal, eu era registrado.

Depois de algumas semanas de serviço, vira e mexe ela falava da mesa dela coisas como:

— Miguel, você salvou os relatórios na nuvem?

— Vou fazer isso no final do dia.

— E se você esquecer? Quando eu fazia isso, fazia no máximo até a hora do almoço.

— Eu não vou esquecer, eu tenho um jeito de me organizar diferente do seu.

— Hum... — ela baixava a cabeça, insinuando que eu ia cometer algum erro.

No começo eu me segurava, mas aos poucos a gente parou de se respeitar.

Numa dessas ocasiões, eu precisava resolver uma treta com o escritório de contabilidade que prestava serviço pra gente. Era a empresa que a Lorena trabalhava, portanto telefonei pra ela e finalizei tudo em dez minutos.

— Beijo, Lô! — desliguei, sorrindo.

Quando levantei a cabeça, a Jang-mi me observava com aquele ar superior dela.

— Que foi? — meu sorriso me abandonou no mesmo instante.

— Isso é jeito de falar com alguém de uma outra empresa? Você não pode ser tão informal.

— Eu resolvi o problema, não resolvi?

— Não é esse o ponto.

— Jang-mi, fica na sua, vai.

— Moleque, é a imagem da nossa empresa que está em jogo aqui.

Eu revirei os olhos e fui fumar na rua.

Claro que eu comecei a provocar ela também. Repassava informações importantes na sexta-feira meia hora antes de ela ir embora (eu saia mais tarde que ela), reclamava do jeito dela arquivar os processos, fingia que não encontrava as coisas e uma vez até tirei ela de uma reunião com um cliente pra entregar um documento inútil.

Nesse dia todo mundo do escritório saiu pra beber depois do serviço, eu faltei na aula sem remorso nenhum.

— Cadê a Jang-mi? — doutor Contado perguntou.

— Não quis cabular aula — a Evellyn respondeu.

— Nossa, essa garota não sabe se divertir... — falei baixo, só pra ela escutar.

— Fica esperto, Miguel — ela respondeu, girando os anéis nos dedos. — Essa implicância com a Jang-mi ainda vai te ferrar.

— Ih, relaxa...

Outras vozes de Viradela - by MiguelOnde histórias criam vida. Descubra agora