Capítulo 8

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No começo de maio, cruzei com a Letícia no ônibus vindo do serviço. A gente tinha ficado uma vez no shopping e uma outra vez num sábado à noite na praça, conversamos um pouco e trocávamos umas reações no instagram, mas quase não nos víamos apesar dela morar do outro lado da rua. A Letícia estudava numa escola técnica em Santo Fundo, período integral.

Fiz sinal oferecendo meu assento. O ônibus estava cheio como todo dia e também como todo dia ela carregava uma mochila enorme e pesada. Nessa troca de lugar, a Letícia inclinou pra me dar um beijo na bochecha e eu não perdi a oportunidade, virei o rosto e tasquei um selinho desencontrado, em metade da boca dela.

Ela arregalou os olhos e baixou a cabeça. Começou a ajeitar o cabelo loiro ondulado, como se ela estivesse despenteada.

Nunca na vida eu vi a Letícia com a aparência desleixada.

— Que foi, Lê? Cê tá namorando?

— Não.

— Então pronto.

Ela estava com o rosto vermelho. Eu me abaixei e falei no ouvido dela:

— Quer dar uma volta mais tarde?

Ela concordou com a cabeça, segurando uma risadinha.

A gente foi pro cinema abandonado na sexta e no sábado. No domingo ela me mandou mensagem pra ir na casa dela no final da tarde, quando os pais costumavam estar na igreja.

E depois de quase uma hora só nos amassos, ela me puxou pro quarto. Tava com medo de acabar rápido demais de novo, mas até que consegui me segurar.

A Letícia me confessou que só tinha transado antes com um cara, o ex-namorado dela, umas três vezes. Depois disso ela teve que mudar pro outro lado do estado (o pai dela foi nomeado juiz na comarca de Santo Fundo e Região) e eles não quiseram tentar um namoro a distância. Eu entendo a decisão perfeitamente. Mais fácil evitar as brigas, os chifres e a carência, e terminar de uma vez.

Eu disse pra Letícia que tinha sido a minha primeira vez. Poderia ter sido.

Deveria ter sido.

Começamos a ficar de vez em quando. Indo no shopping ou nos encontrando em alguma festa, mas principalmente aos domingos na casa dela. Nem sei se a Letícia sabia que eu beijava a Jamile de segunda a sexta, nem que eu conversava todos esses detalhes com a Val. A gente mantinha uma conversa legalzinha, mas nada muito profundo. E eu também não fazia questão de saber se ela pegava mais alguém. Desde o primeiro dia que nós ficamos a gente sabia que não era nada sério. Eu porque sou eu. E ela porque não queria embarcar em um relacionamento sério, estava extremamente focada nos estudos.

Aliás, a Letícia me influenciou bastante nesse quesito. Nossas conversas mais longas eram sempre sobre estudos. No dia que ela me perguntou se eu ia prestar o vestibular de Santo Fundo, foi que eu comecei a pensar no assunto de verdade.

A gente tinha pedido x-burgers na lanchonete do posto de gasolina e estávamos comendo no quarto dela, depois de transar. Eu me achando o super jovem-adulto vivendo uma cena de seriado por estar fazendo isso.

— O prazo da inscrição da UNISARF é a segunda semana de julho. Vou usar pra treinar pros outros vestibulares que vêm depois. Eu quero passar na federal e aí vou mudar pra São Paulo.

O quarto da Letícia tinha uma parede inteira forrada de folhas de sulfite com regras de português, fórmulas de física e fatos históricos. Segundo ela, de tanto olhar pra aquilo, acabaria decorando.

— É... eu preciso resolver isso. Sei lá...

— Você não quer fazer faculdade? Tudo bem, também.

Outras vozes de Viradela - by MiguelOnde histórias criam vida. Descubra agora