— Acredita que já faz um ano que eu quase atropelei a Tequila? — o ônibus entrou suavemente na estrada recém recapeada e com novos postes de iluminação. — Depois dessa reforma, acho que os gatos perdidos estão mais seguros.
A Lorena sorriu.
— Isso que é vontade do prefeito de não perder a próxima eleição pra Bela Ferraz.
— Vai perder de lavada.
— Engraçado você falar que "já faz um ano". Eu sinto como se eu tivesse vivido cinco anos só esse ano.
— Também! — A Lorena havia me contado tantas histórias dela nessas nossas viagens de ônibus e de carro nos retornos da faculdade que as vezes eu me imaginava acompanhando uma telenovela. — Tô cansado só de lembrar.
Ela deu uma risada gostosa, relaxada, como não dava há muito tempo.
— Agora eu só quero férias, isso sim.
— Dois. O foda é que esse ano os Padilha não vão dar férias coletivas no final do ano. Aqueles vagabundos!
— Jura? Que droga.
— Vou te falar a verdade — suspirei. — Quero mais é que o tempo passe voando mesmo e o carnaval chegue logo. Eu sei que eu sou muito trouxa, mas você tem que me ajudar na campanha pra Val vir pra cá.
— Ela vem, pode deixar.
Me permiti um sorrisinho de esperança enquanto passávamos pela estátua na entrada de Viradela.
— E você não é trouxa, só é bobo apaixonado. — A Lorena disse dando uma risadinha.
Fiquei quieto.
Trinta de dezembro, eu trabalhando. E em Santo Fundo.
Aquele ano estava sendo encerrado com chave de ouro no quesito pé no saco. O escritório novo tinha sido instalado em Viradela e, para minha infelicidade, eu tinha que dividir meus dias de trabalho entre os dois escritórios. "Até contratarem outro auxiliar", ã hã, eu sabia bem como eles lidavam com isso. Três novos advogados e dois estagiários, mas nada de alguém pra me ajudar. E nem adiantava não dar conta de tudo, só o que eu recebia eram reclamações e mais trabalho. Ao menos o contrato da Jang-mi seria encerrado em janeiro e eu não precisaria mais cruzar com ela duas vezes na semana.
Minha mãe tinha ido viajar com as amigas e levado a Rafaela. Eu e os gatos passaríamos o Réveillon juntos.
Inferno de vida adulta.
Comprei um maço de cigarro na hora do almoço. Que se danasse a minha saúde.
Ao menos dona Bete tinha deixado o carro e no fim do expediente pude ir embora o mais rápido possível. Sai da estrada direto pra praça de Viradela, sem nem parar em casa. O pessoal estava jogando vôlei.
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Outras vozes de Viradela - by Miguel
Teen FictionNesse clichê jovem adulto sobre aquele cara que disse que nunca ia namorar, até conhecer "aquela mina", Miguel é o garoto que decide começar o ensino médio sendo uma nova pessoa. Ele não vai mais obedecer às regras nem só tirar notas boas. Quem sab...