Capítulo 14

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— Levanta, Miguel, sua irmã já tá no banheiro. A gente tá indo pra Monte Prata.

Sentei na cama num impulso assustado, piscando forte. Eu esperei pela notícia da morte da minha tia Janaína por anos, mas nunca estive preparado de verdade.

Respirei bem fundo, levantei e também fui ao banheiro.

Só quando cheguei na cozinha e sentei ao lado da minha irmã é que eu percebi que a bomba seria outra. Minha mãe respirou fundo algumas vezes, olhou pra gente, abriu a boca, os lábios tremeram e ela não disse nada.

— Que foi, mãe? — franzi a testa.

Ela começou a falar demorando vários segundos entre uma palavra e outra:

— O pai... de... vocês... sofreu... um acidente... de carro.

Franzi a testa e ainda estava processando a informação quando a Rafa perguntou:

— Ele tá bem?

Minha mãe fez que não com a cabeça e fungou.

— Não? Ele morreu? Meu pai morreu? Não!

A Rafa saiu correndo pro quarto e minha mãe foi atrás.

Eu continuei sentado, encarando o rádio desligado.

O Walter estava morto.

Ausente.

Vazio.

Inexistente.

Fim.

Não seria muito diferente de quando ele estava vivo, mas ainda assim, era chocante. Ainda assim parecia mentira.

Ainda assim não acompanhei muito bem os acontecimentos daquele dia.

Minha mãe dirigiu até a casa da vó Toninha. A Rafaela foi soluçando o caminho todo. Eu fui jogando no celular.

Enviei uma mensagem pra dona Graziela e avisei que no dia seguinte estaria de volta. Ela me telefonou e disse que, conforme meus direitos, eu podia voltar na segunda-feira. Agradeci. Aproveitaria o tempo pra colocar umas coisas da faculdade em ordem.

Quando chegamos, meus parentes me abraçaram já no quintal e lamentaram como se o Walter não fosse um peso naquela família. A Maria Rita não desgrudou de mim até chegarmos no velório, mas quem chorava de tempos em tempos era ela.

O caixão era lacrado, o que deixou a sensação de incredulidade mais intensa. Eu não duvidaria dele forjando a própria morte pra receber um seguro de vida ou algo assim.

Me fizeram sentar entre minha vó e o tio Silvio, encarando duas coroas de flores. Do outro lado do caixão, a tia Janaína, com olheiras profundas, mantinha os braços em torno da Alice de um lado e da Maria Rita do outro.

Resisti à vontade de retornar ao celular.

Minha mãe ficou num cantinho da sala, desconfortável e muda, a Rafaela deitada com a cabeça no colo dela.

Além do pessoal da casa da minha avó, passaram por lá uma meia dúzia de gatos pingados. Eles me abraçavam e diziam coisas como "meus sentimentos" e eu respondia com acenos de cabeça. O Dalton, um cara que eu conheci uma vez na casa da minha avó, entrou devagar na sala, debruçou no caixão e começou a chorar que nem criança. "Ô meu amigo, meu melhor amigo", ele dizia, os ombros chacoalhando.

Senti um pouco de vergonha alheia com o escândalo.

Uma mulher que devia ser a esposa do Dalton o puxou pra longe.

Minha mãe levou minha irmã e eu na cafeteria do cemitério e fez a gente comer.

Um padre rezou.

O enterro foi as quatro da tarde.

Outras vozes de Viradela - by MiguelOnde histórias criam vida. Descubra agora