— E aí, e se a gente namorasse?
Eu arrumava o cabelo em frente ao espelho. Tinha jantado frango assado da padaria, com arroz do dia anterior, e tomado suco de laranja. Beber alcoólicos sozinho não tem graça. A Lorena e o Jonas me convidaram pra cear na casa de cada um deles, mas rejeitei.
A casa estava silenciosa demais, então acabei me rendendo à mania da minha mãe e liguei o rádio. Não nego que voz do locutor, meu velho conhecido, desejando quase feliz ano novo entre uma música e outra me confortou.
Vesti uma bermuda jeans nova e troquei três vezes de camiseta branca. Eu mesmo me julgando pelo meu nervosismo idiota. Parecia que eu tinha quinze anos de novo, calculando o que dizer e desgostando das minhas roupas. Era "só" uma mina, eu diria pra qualquer um dos moleques se a situação fosse com eles. "Uma mina que você já pegou uma porrada de vezes. Relaxa!"
Mas não era só uma mina.
Era a Val.
Respirei fundo e continuei meu ensaio:
— O que você acha de um relacionamento sério?
— Tá a fim de namorar comigo?
Fiz uma careta.
— O que...
— Miau!
A Tequila me interrompeu, sentando na porta do banheiro e me encarando.
— Eu sei. Sou péssimo nisso, Téqui.
— Miau!
Pudim e Nutella apareceram também.
— Já vou dar comida pra vocês, peraí... O que vocês acham de eu só perguntar se eu posso visitar ela em São Paulo?
Os três recomeçaram a miação e enquanto eu colocava ração e trocava a água deles, me questionei: por que a Val nunca me chamou pra ir pra São Paulo?
Eu topava cada rolo pra ficar com as minas que eu pegava, lógico que pela minha melhor mina eu me esforçaria ainda mais. Não me importaria de passar o perrengue de viajar de manhã e voltar a tarde num mesmo dia só pra passar umas três horas com ela.
Por que ela não me queria em momentos que não fossem de fuga da realidade? Por que ela queria me manter à distância?
Sai de casa falando sozinho.
— Você acharia ruim se eu fosse te ver em São Paulo?
— Você tem vergonha de mim?
— Fala a real: o que que a gente significa pra você?
Percebi que estava ficando irritado. Droga!
Não toquei a campainha nem mandei mensagem quando cheguei, só encostei no muro e fiquei escutando o falatório dentro da casa da dona Diana. Acendi um cigarro pra me acalmar. Eu não ia brigar com a Val. Não ia.
Ela abriu a porta usando um vestido branco meio esvoaçante, brigando com o cabelo solto e falando alguma coisa com alguém. Eu só a observei cheio de todos os sentimentos bonitos e de todos os sentimentos indecentes que eu tinha a respeito dela.
E então, toda a família da Val saiu da casa. Incluindo a mãe, o pai, e o avô, que tinha vindo de São Paulo de última hora, com a cara mais séria do mundo. Posso jurar que as minhas bolas se encolheram um pouco. Trocamos "boas noites" esquisitos.
Minha ideia de andar sozinho com a Val até o centro da cidade não tinha sido muito bem calculada. Nós fizemos o trajeto com o Daniel, a Lorena e várias pessoas logo atrás.
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Outras vozes de Viradela - by Miguel
Ficção AdolescenteNesse clichê jovem adulto sobre aquele cara que disse que nunca ia namorar, até conhecer "aquela mina", Miguel é o garoto que decide começar o ensino médio sendo uma nova pessoa. Ele não vai mais obedecer às regras nem só tirar notas boas. Quem sab...