Cansaço

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Cansaço dói.

Cansaço dói sim, dói a alma, dói o corpo, dói o coração,
Cansaço dói sim, dói o sorriso, dói as lágrimas,
Cansaço dói sim, dói o olhar para a vida, o respirar profundo.
Cansaço dói sim, saudade, saudade, dói a saudade.
Cansaço dói. A vida dói...

Bea Behr.

   Acabo minha papelada no Grêmio mais tarde do que eu queria, Melody já havia ido embora fazia um tempo. Um pouco antes do sinal tocar a diretora havia entregado uma papelada que deveria se entregue até o meio dia de amanhã, no qual a maioria deles era mais trabalho dela do que meu, e por causa disso fiquei mais tempo do que o esperado. Às vezes me pergunto como ela consegue jogar mais da metade de seu trabalho nas minhas costas e não sentir um pingo de peso na consciência, por mais que eu seja grato pela 'desculpa' que me foi dada, ainda é cansativo. Já era (19:56) e eu ainda estava na escola, felizmente a diretora avisou que eu ficaria para ajudá-la hoje, então não preciso me preocupar com um possível "castigo" que sofreria por não chegar no horário.

   Me levanto da cadeira e empurro um pouco para trás, levanto meus braços alongando o quanto eu podia o meu corpo sentindo um pouco de dor no processo (era uma pequena mistura de ficar sentado por muito tempo com a dor dos machucados que ainda não haviam se curado), pego minha mochila do chão e começo a procurar a cartela de analgésico que Melody me deu na sexta, mesmo que eu não precisasse mais, ainda tomo alguns por precaução. Quando encontro a cartela e vejo que só havia sobrado mais 4 comprimidos retiro um, deixando em cima da mesa enquanto guardo os 3 últimos para próxima vez que precisasse. Coloco a minha mochila em cima da minha cadeira e pego minha garrafa de água, que estava vazia e vou em direção a porta, pois havia um bebedouro do lado de fora da sala.

"Só separar os papéis e ir para casa, o que sobrou termino amanhã".

  Encho a garrafa e volto para a minha mesa. Pego o comprimido e coloco no canto com a garrafa, separo os papéis em três pilhas: uma para deixar na sala dos professores, a outra pilha seria dividida entre três representantes, dois do primeiro e um do segundo ano e a última ficaria em cima da mesa. Pego a pilha dos representantes e vou em direção aos armários, destranco o dos representantes do 1 ano e deixo seus papéis ali, tranco novamente e vou em direção ao dos 2, repito o processo, e verifico se estava bem trancando com chave para que ninguém os pegue. Volto novamente para minha mesa pego a garrafa e o comprimido, engulo e guardo a garrafa na mochila, recolho a pilha dos professores e as chaves, coloco a mochila nas costas e me dirijo em direção a saída novamente.

   Desligo a luz e tranco a porta, começo a ir direção a sala dos professores, os corredores estavam totalmente vazios, as luzes apagadas davam um ar estranho para aqueles corredores, se não fosse as luzes dos postes que entravam pela janela eu odiaria ter que ficar andando por aqui. Chego a sala dos professores e destranco a porta, deixo a pilha em cima da mesa da professora Delanay, ela provavelmente separaria os papéis de cada professor. Saio e tranco a porta, guardo a chave no meu bolso e vou em direção a saída. Já fora da escola corro em direção ao ponto de ônibus, olho para o relógio em meu pulso (20:27), suspiro aliviado, teria que esperar apenas 3 minutos o ônibus que chegava às 20:30, o que era bom pois o próximo só passava as 21:06, valia mais apena ir andando para casa.

"Eu realmente decorei o horário que o ônibus passa?"

   Essa pergunta passou rapidamente pela minha cabeça, e a resposta era algo que realmente me incomodava. "FRANCIS" ou melhor, "MEU PAI" era impressionante como ele conseguiu fazer com que eu cogitasse pedir para dormir na escola do que voltar para casa. A chegada do ônibus me tirou dos pequenos pensamentos irritantes que por muito rodavam minha cabeça.

   - Boa noite, senhor Marcel.

   - Boa noite meu jovem.

   Não havia muitas pessoas nesse horário, e eu gostava disso pois poderia escolher onde sentar. Escolho uma cadeira no fundo ao lado da janela, coloco minha mochila no meu colo e tento apreciar aqueles 30 minutos de descanso que me eram proporcionados. Fecho os meus olhos e respiro fundo, as vezes era tão cansativo viver desse jeito, acordando antes das seis e dormindo depois da meia noite, era cansativo nunca ter um horário certo para chegar em casa, sempre arranjando desculpas e mais desculpas para não estar lá.

  E o pior é que eu quero estar lá! Na minha casa, no meu quarto e na minha cama. Poder tomar um banho relaxante, ler os meus livros, jogar um pouco, treinar um pouco...mas fica cada vez mais difícil, uma pessoa faz com que a convivência fique cada vez mais difícil. Se ele não está, consigo chegar junto com Amber, consigo relaxar, consigo comer, consigo sorrir, eu definitivamente consigo me sentir em casa, em um lar. Mas se ele estiver lá as coisas ficam difíceis, eu tenho que ser perfeito, andar perfeitamente, falar perfeitamente, pensar perfeitamente, agir como se eu não tivesse defeitos e ainda assim se algo der minimamente errado, bem, eu sofro as consequências desses mínimos erros, que por muitas vezes nem se quer fui eu que errei.

   Por isso sempre assumo mais do que deveria, mais trabalho do que deveria, mais funções, mais deveres, mais, mais, e sempre mais. Porque mais significa menos, menos chances, menos gritos, menos dor, menos tempo, e menos tempo, significa não vê-lo. E como eu sempre dou o meu melhor para nem se quer vê-lo, para que ele não me veja, eu fujo o máximo que posso, porque não importa o que me digam, quando ele está lá não é mais uma casa, não é um mais lar.

Je vous prometsOnde histórias criam vida. Descubra agora