Conversa

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Os incessantes bips ecoam pela minha mente, provavelmente estava deitado em uma cama desconfortável de hospital. As vozes dos meus pais e irmãos imploram para que eu acorde. Em meu pequeno coma, imagens sombrias me cercam, e o símbolo da morte permeia meus sonhos. Sinto o lodo negro serpenteando pelas minhas veias, se espalhando lentamente, restaurando meus órgãos e me mantendo vivo. As vozes das sombras sussurram e gritam nos meus ouvidos, uma delas, de maneira irritante, insinua que minha sobrevivência foi selada pelo pacto com o símbolo da morte.
No meio do meu tormento, uma voz carregada de culpa e melancolia se faz ouvir, a voz daquela pessoa que me salvou.

[ ... ]

Enquanto as vozes abafadas preenchiam o ambiente, eu preparava calmamente bebidas quentes. Cesar e Bian, estavam envolvidos em uma discussão acalorada, alternando entre tons elevados e sarcásticos. Mesmo sem compreender completamente o assunto, percebia que se tratava de uma discussão fútil. Prossegui com a preparação dos chás e café, estranhando o fato de uma criança, como Bian, tomar cafeína. No entanto, Cesar explicou que em seu lugar de origem, essa era comum as crianças tomarem cafeína. Coloquei as xícaras com calma em uma bandeja e as levei para a sala, onde a discussão entre Bian e Cesar atingia o auge.
— Eu estou falando sério! — exclamou Bian, impaciente.
— Fala sério, Bian, você deveria saber distinguir a realidade da fantasia. — Cesar respondeu com uma pitada de sarcasmo.
— Sobre o que vocês estão discutindo? — indaguei, enquanto colocava a bandeja sobre a mesa de centro.
— Nada demais, apenas Bian afirmando que a magia é real — Cesar disse, ainda com sarcasmo evidente.
— Não é só isso! — Bian, agora visivelmente desesperado, retrucou. — É algo paranormal. Havia um símbolo estranho no corpo de uma das vítimas que Gal assassinou!
— Um símbolo? — Cesar soltou uma risada sarcástica. — Isso é o que você chama de paranormal?
— Vocês não compreendem, o corpo ainda está sob análise no hospital onde meu pai trabalha! — Bian replicou com ofensa. — Em torno do símbolo, a carne estava mais decomposta do que no restante do corpo!
— Você entra no necrotério para ver esses corpos? — indaguei, abismado. — E seu pai sabe disso?
— Não, mas... — Bian admitiu, sua expressão denunciando culpa, como a de uma criança que confessava ter quebrado o vaso de flores favorito de sua mãe.
— Você tem alguma prova para sustentar sua afirmação? — Cesar perguntou, com um semblante carregado de dúvidas.
— Há o corpo no hospital e as anotações de Gal que deixei com meu irmão. — Bian respondeu, olhando para baixo e mexendo ansiosamente nas mãos.
— O hospital onde seu pai trabalha é o mesmo que frequento, não é? — Cesar perguntou, mostrando-se intrigado com as palavras de Bian.
— Sim... — Bian começava a ficar ansioso.
— Bian, você parece inquieto. Que tal um chá para acalmar os nervos em vez do café? — sugeri, cautelosamente.
— Estou bem — Bian respondeu. — Há mais vítimas! Gal assassinou mais pessoas meses atrás!
— Assassinou? — Cesar perguntou.
— Sim, Cesar, mas você optou por ignorar, achando que eram apenas casos simples! — Bian exclamou.
— Sério, eram casos que aparentemente envolviam rituais. Eu não iria perder meu tempo com isso. — Cesar retrucou, revirando os olhos.
— Você é uma pessoa inteligente, Cesar. No entanto, sua ignorância em outros assuntos me incomoda. — Bian afirmou, enquanto dava grandes goles no café como se fosse água, me deixando preocupado.
— Você espera que eu acredite em monstros, fantasmas e demônios? — Cesar questionou, soltando uma risada arrogante.
— Se você tivesse visto o que eu vi, não estaria zombando de mim. — Bian respondeu com bravura.
— Chega, vocês dois! — repreendi. — Encerrem essa discussão!
— Mas, Joui, vejam as tolices que esse garoto está dizendo! — Cesar argumentou.
— Ele é apenas uma criança! — afirmei.
— Viu? Nem Joui acredita em você. — Cesar soltou uma risadinha sarcástica.
Bian suspirou, aparentemente exausto, devolveu a xícara à bandeja e olhou para baixo.
— Vocês têm tempo amanhã? — Bian perguntou. — Ou vão continuar com o namorico em vez de prosseguir com a investigação?
— Bian!? — tentei responder, mas Cesar me interrompeu prontamente.
— Prefiro deixar isso claro: o que você deseja? — Cesar perguntou de forma ríspida.
— Quero que me levem a sério — Bian respondeu. — Podem me acompanhar amanhã no hospital, onde o corpo está? Podemos então seguir para o necrotério.
— Seu pai não aprovaria a ideia de você no necrotério. — Cesar argumentou.
— Ele não precisa saber! — Bian exclamou. — Vocês podem ir e alegar que são da polícia, e eu posso entrar sorrateiramente!
— Tem certeza de que Gal é o responsável por isso? — Cesar indagou.
— Absoluta! E acredito que tenha mais pessoas trabalhando
para ele! — Bian afirmou.
Cesar, após alguns minutos de reflexão, exibiu um olhar curioso, seus olhos brilhando de curiosidade.
— Está bem, você me convenceu, Hoffmann. — Cesar declarou. — Mas, antes, você precisa fazer um favor para mim.
— Um favor? — Bian indagou, visivelmente desanimado.
— Claro, meu jovem. Você tem conhecimento sobre meus contatos, que constantemente vigiam as ruas. Quero que obtenha informações sobre movimentos estranhos nas proximidades do local onde o corpo que você analisou foi encontrado. — Cesar esboçou um sorriso.
— Não acha que isso é perigoso para uma criança? — perguntei, preocupado.
— Um pouco. — Cesar deu de ombros.
— Joui tem razão, não vou. — Bian sussurrou, ajustando sua carteira.
— Desde quando o perigo te assusta? — Cesar questionou, franzindo o cenho.
— Não posso! Vou morrer! — Bian suplicou.
— Está fazendo esse drama porque precisa interagir com pessoas, não é? — Cesar perguntou.
— Talvez... a interação humana me causa um pouco de medo. — Bian respondeu, cruzando os braços.
— Conversar com pessoas não é um bicho de sete cabeças, garoto. — Afirmei.
— Para você não, mas para mim, é bem mais complicado. — Bian confessou, envergonhado.
— Nem por 11 libras? — Cesar perguntou, exibindo um srriso.
— Bem... — Bian pareceu ponderar. — Claro... eu acho. Mas precisa ser agora?
— Sim, para que, quando nos encontrarmos no hospital, já tenha as informações em mãos. — Cesar respondeu.
— Está bem. — Bian consentiu. — Você está fazendo isso só para me mandar embora de sua casa, não está?
— Talvez. — Cesar afirmou, com um tom de sarcasmo. — Mas também confio em você. Pegue o dinheiro e vá depressa, lembre-se: precisamos das informações amanhã!
Observei, o Bian levemente irritado pegar o dinheiro que Cesar estendia em sua direção. O jovem inspirou profundamente, determinado, o que criou uma cena cômica e adorável aos meus olhos. Ele se despediu de nós e se dirigiu para a saída.
— Ele é uma graça. — Comentei, sorrindo levemente.
— É assim que ele engana os outros. — Cesar afirmou, semicerrando os olhos.
— Pare com isso! — Repreendi Cesar, olhando-o com indignação. — Mas o que você acha?
— Sobre o quê?
— Sobre as coisas paranormais que ele menciona. — Afirmei, demonstrando preocupação.
— Talvez seja apenas a imaginação fértil de uma criança. — Cesar ponderou. — Você sabe como as mentes das crianças podem ser criativas.
— Você acredita que possa ser verdade? — Perguntei, observando a escuridão tomar conta da janela.
— Não tenho certeza. — Cesar respondeu.
O dia seguiu seu curso, com conversas sobre o caso. À noite, decidi ir dormir o mais cedo possível, pois meu breve período de folga havia chegado ao fim. Enquanto caminhava em direção ao meu quarto, percebi que Cesar parecia ansioso para compartilhar algo, mas desistiu e, em vez disso, me desejou boa noite e depositou um rápido beijo em meus lábios. Fiquei alguns minutos refletindo sobre a extraordinária ideia de que as palavras de Bian poderiam ser verdadeiras. Será possível o sobrenatural? Era uma noção tão absurda, normalmente encontrada apenas em livros de ficção e filmes. Talvez Cesar estivesse certo, talvez fosse apenas a mente fértil de uma criança.

Detetive solitário - joesar Onde histórias criam vida. Descubra agora