16: O Panóptico

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Mesmo à noite, uma grande quantidade de turistas passeava pelo Bairro Aventino. O Giordiano de Aranci se via cheio de casais, e das igrejas de Santa Sabina, Santo Alesso e Santo Anselmo podia-se escutar os louvores mesmo da distância que estávamos, essa suficiente para ter que usar o binóculo.

⎯⎯ Na verdade, é Giordiano degli Aranci. ⎯⎯ corrigiu Ray.

Com aquela noite estrelada, a cidade tomada por sua própria luz alaranjada e a colina agigantando-se à minha frente, eu fiquei absorto o suficiente para esquecer a presença de Santos até aquele segundo. Meus melhores minutos naquela semana.

⎯⎯ Seja qual for o nome, não parece muito bem guardada. Muito menos o tal do buraco da fechadura. ⎯⎯ Passei o binóculo para ele, que me lembrou que era esse o intuito de uma base secreta.

⎯⎯ Eu nunca fiz algo assim antes. ⎯⎯ confessou. ⎯⎯ É coisa de ficção, não de vida real.

⎯⎯ Acho que já fiz algo parecido. ⎯⎯ Apoiei as costas na parede de tijolos.

⎯⎯ Falou com o Bel?

Eu havia conversado, sim. Mas digerir tudo estava se provando tão difícil quanto voltar do mundo dos mortos. A história que ele contara estava incompleta, principalmente por ele não estar na maior parte. Tantas dúvidas rondavam minha cabeça que se tornou difícil pensar. Ao menos uma coisa eu havia entendido:

⎯⎯ Sou um amaldiçoado. Como o Jack. Eu já suspeitava mesmo antes da sra. Di Angelo me chamar assim, mas... Belphegor confirmou. Ele chamou de "Maldição do Azar".

⎯⎯ Combina com você. ⎯⎯ riu Ray.

⎯⎯ Cara, qual o teu problema comigo, hein?

Ele levantou uma sobrancelha, antes de perceber que eu falava sério e assumir uma expressão incrédula.

⎯⎯ Eu sabia que você era egoísta, mas esquecer até disso? ⎯⎯ Fez um muxoxo.

⎯⎯ Tudo o que eu sei é que você e o Jack infernizaram a minha vida o ensino médio inteiro. ⎯⎯ interroguei. ⎯⎯ Eu e uma boa parte da escola. Tem pelo menos um motivo?

Ray demorou bons segundos para responder, tão frio como aquele clima:

⎯⎯ Você tinha quando infernizava a nossa vida no fundamental?

A reação me fugiu. A memória, porém, retornou como um gato. Quando percebi, estava lá: dois novatos ingênuos prontos para cair nas garras de Nick.

⎯⎯ Quanto às outras pessoas... ⎯⎯ Santos continuou. ⎯⎯ Acho que... a gente se perdeu no meio do caminho.

⎯⎯ Sinto muito. ⎯⎯ Eu disse. ⎯⎯ Por tudo o que o Nick... pelo que eu fiz.

⎯⎯ Foi mal, mas... eu não consigo te perdoar. Ainda não. Talvez em parte porque eu não consigo me perdoar, mas também pelo que cê tá fazendo com a Maria. Depois de tudo... não acho que cê tenha mudado.

Aquelas palavras me jogaram mais peso nos ombros, como terra para enterrar um caixão.

Há algumas horas. Estávamos para sair do trailer, Maria e eu. Toquei seu ombro e ela se virou. Pela primeira vez, estarmos tão perto um do outro foi o que planejei. Ela enrubesceu de leve enquanto eu falava:

⎯⎯ Não posso ficar com isso. Pertence a alguém que realmente merece. Ache e dê a ele.

Com a mão direita toquei sua bochecha e aproximei meu rosto do dela. Nossas testas se encostaram e narizes cruzaram. Quando abri meus olhos de novo, lágrimas escorriam dos de Maria. Me esmagou num abraço. Sua boca encostada na minha clavícula, pude literalmente sentir suas palavras:

𝕯𝖊𝖒𝖔𝖓𝖘 𝕱𝖆𝖑𝖑Onde histórias criam vida. Descubra agora