8: Tão natural quanto respirar

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Não me surpreendi tanto com a ideia da garotinha fantasma ter sido assassinada ser dita em voz alta. Na verdade, eu já suspeitava que a morte de Lin não tinha sido exatamente acidente. Não havia sinais de incêndio em sua aparência espectral, o que tornava a possibilidade de ela ter morrido no incêndio algo sem sentido. Já as marcas em seu pescoço eram uma pista mais direta que me fez pensar na hipótese mais macabra.

⎯⎯ Quem... me matou? Como a- assim? ⎯⎯ Se pudesse, a garotinha com certeza estaria tremendo.

⎯⎯ Seu pescoço. ⎯⎯ expliquei, meio que para mim também. ⎯⎯ Foi quebrado. Você pode ter caído, é claro.

⎯⎯ Almas ficam no mundo terreno, após a morte, por não terem conseguido resolver um determinado problema enquanto vivas, ou por terem presenciado uma injustiça. O que quer que seja, deve ser quitado para que a alma possa ir para o além. ⎯⎯ ensinou Lilith. ⎯⎯ Mesmo que ela tenha caído ou algo assim, não seria motivo suficiente para continuar no mundo dos vivos. Lin, lembra-se de alguma coisa que viu? Antes de morrer?

Lin se esforçava, mas não conseguia lembrar. Tudo o que vinha a sua mente era a imagem de um "homem assustador". Perguntamos se sua mãe tinha brigado com o marido, mas ela disse que só eram elas. Se havia algum desentendimento entre Glória e mais algum inquilino do prédio, mas Lin não sabia dizer.

⎯⎯ Depois que fui adotada, fui morar com a mamãe e ela já vivia no apartamento. ⎯⎯ disse.

⎯⎯ Eu desisto. ⎯⎯ anunciou Lilith, levantando as palmas das mãos. ⎯⎯ Nem queria participar disso mesmo.

⎯⎯ Precisamos de algum tipo de lista com os nomes de cada inquilino. ⎯⎯ opinei. ⎯⎯ Muitos já se mudaram da cidade, depois do incêndio, mas ainda há alguns morando na região.

⎯⎯ Falando em morar... aquela não é a sua casa, com o carro de polícia na frente?

Olhei para onde ela apontava, arregalei os olhos, sentindo o coração acelerar, e disparei, imaginando os piores cenários possíveis.

Depois do problema todo com o Richard, Melanie e eu queríamos denunciá-lo o mais rápido possível. Mas mamãe não deixou. Recusou firmemente cada argumento que lançávamos, cada súplica e tentativa de fazê-la ver a razão. Dizia que não envolveria mais ninguém num caso familiar. Claro, mãe. Feminicídio com certeza é um caso familiar.

Aproximando-me, enxerguei Melanie conversando com um oficial de polícia. Na varanda, mamãe se via sentada olhando para o vazio. Decidi ir até ela primeiro, e notei as marcas de lágrimas em seu rosto. Calmamente, agachei-me perto dela, segurei sua mão e perguntei o que houve. Até aí, ela nem parecia ter percebido a minha presença.

⎯⎯ Melie... ligou para a polícia. ⎯⎯ respondeu ela, quase sussurrando. ⎯⎯ Eles levaram Richard.

⎯⎯ Mas por quê?

⎯⎯ Por que ele tentou me agredir. ⎯⎯ respondeu Melanie, que se aproximara sem eu notar. Ela falava num tom frio e cortante. ⎯⎯ Fora todo o resto. A polícia vai dar um jeito no desgraçado.

⎯⎯ Não fale assim do seu pai.

⎯⎯ Mãe, você só pode estar brincando comigo! Mesmo depois de tudo, ainda tá defendendo ele?

⎯⎯ Richard só estava irritado com... por que...

⎯⎯ Nada justifica nenhuma das ações violentas de uma pessoa. Não pode ficar impedindo que a justiça seja feita e esquecendo dos seus filhos!

⎯⎯ Melie... ⎯⎯ falei, tocando seu ombro. Ela olhou para mim, seus olhos estavam furiosos como os de uma onça, mas ficaram mais mansos há medida que ela entendia o que eu queria dizer, mesmo que nenhuma palavra saísse da minha boca. Então fechou os olhos, respirou fundo e se afastou.

Observei-a andando em círculos sobre a grama e, com o canto do olho, notei um homem fitando-me. Ele usava um sobretudo cinza e chapéu, calças e camisa social. Já tinha cabelos grisalhos misturados aos fios negros e tragava um cigarro como L, de Death Note, comeria um prato de pudim. Seus olhos, cuja cor eu não consegui reconhecer, pareciam tentar ler a minha alma.

 Seus olhos, cuja cor eu não consegui reconhecer, pareciam tentar ler a minha alma

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