17: Buraco na segurança

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Esperei por exatos sete segundos. No oitavo, caminhei na direção da saída da cela. No nono, o homem na cela ao lado ainda se esforçava para me explicar o que aconteceria se eu saísse e o Guarda da Torre me visse. No décimo, dei um passo para fora da jaula dos preconceitos.

⎯⎯ O quê...? ⎯⎯ Fitei minha perna direita. Puxei. Mexi. Mas ela se recusou a sair do cubículo de concreto como a outra. Subitamente me forçou a voltar, contraindo os músculos que deveriam estar sob o meu comando. ⎯⎯ Que merda é essa?

Voltei-me para a torre. Podia jurar que tinha visto um movimento na janela.

⎯⎯ Eu falei. ⎯⎯ disse o vizinho telepata. ⎯⎯ Não dá pra saber quando ele tá olhando.

Aproximei-me de novo da borda da sala. Estiquei o braço para fora, que de repente endureceu ao ponto de eu parar de senti-lo. Foi tomado por consciência própria, uma consciência assassina que atacou impiedosamente meu pescoço. Minha própria mão afundou as pontas dos dedos até sentir meu esôfago. O mundo já escurecia quando finalmente me desvencilhei, inalando o máximo de ar que pude.

⎯⎯ C- como... ⎯⎯ Tossi. ⎯⎯ Como a Lilith conseguiu?

⎯⎯ Ele não pode olhar para todos os lugares ao mesmo tempo. ⎯⎯ contou o telepata. ⎯⎯ Pena que, agora, só reste a gente.

"Ele não consegue..." As engrenagens na minha cabeça começaram a girar. Uma prisão para demônios. Um conceito filosófico. Um poder que faz qualquer um contrariar o próprio desejo por liberdade. Um vulto na janela da torre. Um vulto na janela da torre. "Ele se parece com um humano!".

Outro tremor. No Panóptico e na minha mente. Por que, se aquela coisa na torre fosse de alguma forma humana, também era capaz de sentir tremores.

⎯⎯ O- o que está fazendo? ⎯⎯ O telepata alarmou-se.

⎯⎯ Aproveitando minha maldição. ⎯⎯ Encarei a mim mesmo no pedaço afiado de espelho. Minhas mãos tremiam, tentando assumir o controle, mas ser azarado é algo que sei fazer muito bem. ⎯⎯ Sério, não acredito que tô tendo que fazer isso.

O sangue gotejou em sequência à medida que eu abria o corte. Do braço ao antebraço, vermelho escuro tingiu minha pele. Só a dor foi suficiente para me deixar tonto, mas a agonia de ver meu estado mental sendo expelido daquela forma levou junto minhas forças. Quando caí de joelhos, tudo em volta se via turvo, semelhante ao efeito do pó mágico da batalha na quadra da escola. Nas permaneci consciente, mesmo obrigado a fingir não estar quando uma dupla de enfermeiros chegou para me socorrer. Mesmo quando me amarraram a uma maca e me tiraram da prisão.

⎯⎯ Pra onde o estão levando? ⎯⎯ A voz do guarda que parou a maca tinha o forte sotaque de um russo que não gosta de falar muito além da própria língua. ⎯⎯ A ala leste está em chamas.

⎯⎯ Este aqui está morrendo! ⎯⎯ Frustrou-se um dos de jaleco branco. Também não parecia muito feliz em falar além de sua língua natal, provavelmente italiano. ⎯⎯ Como está a norte?

⎯⎯ O demônio de merda. Quem é que vocês estão transportand... Hã... É brincadeira?

⎯⎯ Não, é que ele estava no Panóp... Quê! Como...? Cadê ele?!

⎯⎯ Súka! Avisem todo mundo! Ele não pode ter isso longe se perdeu tanto sangue.

Ele estava certo, infelizmente. Não me arrastei nem seis metros com aqueles mini desmaios. A sala em que entrei era gelada como um frigorífico e silenciosa como um necrotério. Provavelmente por que era ambos. Apoiei as costas num dos armários prateados que cobriam as paredes. O alumínio refletia como se ali fosse dia. Até eu perceber que as luzes estavam apagadas. Tive a mesma dificuldade para diferenciar o frasco de analgésicos do rolo de bandagem, afinal ambos haviam sido roubados do mesmo jaleco. Felizmente consegui engolir o analgésico e enfaixar o braço. A toalha que usei já estava ensopada, e as bandagens não ficaram muito melhores. Respirei rápido. O lado direito do meu corpo queimava. A luz era ofuscante como o sol do meio-dia.

𝕯𝖊𝖒𝖔𝖓𝖘 𝕱𝖆𝖑𝖑Onde histórias criam vida. Descubra agora