6: Para onde vão os hereges

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E eu achando que exposições de arte com a presença do autor eram desconfortáveis. Na escola, sempre fora. Mas eu estava enganado.

Podia sentir aqueles olhos como lanças, e vinham de todas as direções. Mas, ainda assim, não podia ser comparado a receber o olhar de desgosto da sra. Di Angelo. Felizmente, não se demorou muito sobre mim e logo voltou-se para Ray.

⎯⎯ Não sei se ainda temos tempo. ⎯⎯ Sua voz era controlada como a de um membro do exército. ⎯⎯ Levem para dentro.

Dois gêmeos (uma epidemia?) baixos e fortes carregaram o garoto na direção do apartamento de Maria.

Gretel Di Angelo era uma versão mais velha de Maria, com a mesma altura e cor de cabelo. Não tinha tantas marcas quanto a idade lhe tatuaria, mas se movia como se cada junta doesse. Pelo que a filha contava, ela havia sido uma grande tenista em sua terra natal. Mas a vibe que passava era bem mais assustadora do que a de alguém que joga um esporte de zero violência. Sempre achei que fosse só comigo, até ver de primeira mão ela encarando Belphegor.

⎯⎯ Você... pode... me ver. ⎯⎯ O máximo que o demônio conseguiu fazer foi sussurrar. ⎯⎯ Esse lugar... Vocês são...

⎯⎯ Não interrompa a magia de cura. ⎯⎯ A mãe de Maria deu meia volta e rumou para sua casa.

⎯⎯ Espera! Ai... Não vai me ajudar?

⎯⎯ Que fique claro: não ajudamos sua espécie. É o garoto quem queremos salvar.

⎯⎯ Não ajudam mais, você quis dizer.

A mulher sumiu mas deixou um rastro de clima tenso para trás.

⎯⎯ Se não estiverem tão ocupados fazendo caras de tonto, podem me ajudar? ⎯⎯ Belphegor cobriu a ferida com a mão esquerda, como havia feito com o braço.

A contragosto, ajudei Grey a tirá-lo do fusca. Recusou que levássemos para dentro, dizendo que havia uma proteção na soleira da porta. O deixamos então no banco de concreto ali ao lado.

⎯⎯ Por que eles teriam uma proteção anti-demônio nesse prédio? ⎯⎯ indaguei.

⎯⎯ Está em todos. É nauseante. ⎯⎯ Belphegor bocejou e fez uma careta de dor.

⎯⎯ O que... o que tá acontecendo aqui?

⎯⎯ São Salenianos. O tempo e a vida os ensinaram a... WUAHH... ser cuidadosos.

⎯⎯ Sale... o quê?

A resposta foi um poderoso ronco. O demônio estava dormindo.

É engraçado como lugares têm a capacidade de armazenar lembranças. Houve um tempo em que minha família planejava morar em Edengarden. Minha mãe, Melanie e eu visitamos o condomínio enquanto meu pai estava no trabalho. Estava quente e cada um de nós segurava uma casquinha: baunilha, menta e chocolate amargo. Nos sentamos exatamente de frente para aquele prédio, o de Maria, e sonhamos.

⎯⎯ Mãe ⎯⎯ perguntei. ⎯⎯ Por que a gente não muda pra outra cidade? A gente podia ficar na casa que a tia Ma queria dar pra gente.

⎯⎯ A tia Ma foi muito legal, né? ⎯⎯ falou Melanie.

⎯⎯ Foi sim. ⎯⎯ Sorriu minha mãe. ⎯⎯ Mas os Warren vivem aqui desde sempre. Não podemos só ir embora. É aqui que nossas raízes estão.

⎯⎯ Por quê? ⎯⎯ perguntou Melanie.

⎯⎯ É. Por quê? ⎯⎯ repliquei.

Mamãe riu. Não um riso triste. Mas reconfortante como um café das seis. Então explicou:

𝕯𝖊𝖒𝖔𝖓𝖘 𝕱𝖆𝖑𝖑Onde histórias criam vida. Descubra agora