2: Intervenção

23 4 31
                                    

Eu não sabia exatamente o que Maria pensava sobre a minha busca por uma garota que eu nem conhecia. Também não sabia o que eu mesmo achava. mas tinha que ser real. Todas as provas, os retalhos de lembranças, não podia ser tudo da minha imaginação, certo? Eu não havia lutado sozinho contra um poltergeist, duas adolescentes não haviam sido mortas simplesmente pela minha presença e meu amigo não havia morrido por uma briga começada do nada contra um espírito maligno.

"Essa garota fez tanto mal pra mim" Ponderei. "Tenho que saber o porquê".

Minha mente voltou ao Circus Maximus. Meu rosto queimava toda vez que eu lembrava do desabafo com Maria. O que ela pensava sobre aquilo? Mas, não. Não era o que havia chamado minha atenção na lembrança, mas sim um detalhe guardado numa gaveta mental como um saco de moedas de valor perdido para o tempo.

Um cotovelo na costela ne fez voltar à realidade.

⎯⎯ Você não estava prestando atenção? ⎯⎯ Maria gesticulou, brava.

⎯⎯ Desculpe. ⎯⎯ Tentei. ⎯⎯ O que você disse?

⎯⎯ Perguntei se está comendo direito. Parece uma vassoura de bruxa.

⎯⎯ Se uma bruxa quisesse montar em mim e sair voando, eu não teria forças pra me defender.

⎯⎯ Por que disse isso?

⎯⎯ O que foi? Não sei... É só brincadeira.

Por algum motivo Maria seguiu o resto do caminho calada e vermelha.

Chegamos de baixo de uma nuvem de chuva. Ela percebeu que sua mãe estava em casa e eu esqueci de perguntar como ela sabia para, em vez disso, ficar nervoso. Nunca me dei bem com a sra Di Angelo, o que infelizmente fazia todo o sentido. Eu também não gostaria de ver minha filha com um antigo bullier.

⎯⎯ Já sei. ⎯⎯ A ruiva parou entre sua casa e eu. ⎯⎯ Vou mais tarde na sua casa fazer uma receita que achei nos livros da minha avó.

⎯⎯ Hã? Por que você faria isso? ⎯⎯ falei.

⎯⎯ Você já some normalmente. Alguém tem que te impedir de fazer isso literalmente.

Eu ri, mas isso também me fez sentir culpado. Ela olhou para trás antes de entrar no prédio azul, e eu aproveitei para gesticular, afinal, o meu "bem vinda de volta".

Maria sorriu. Preocupada, mas sorriu. Enquanto isso, eu planejava meus próximos passos. A primeira coisa que eu tinha a fazer era voltar ao parque de diversões e falar com o único outro que havia reconhecido a garota dos cabelos dourados: Carl.

⎯⎯ Que merda! ⎯⎯ A vendedora de pipocas se assustou com o meu praguejo. ⎯⎯ Foi mal... Sabe o que aconteceu com o parque?

⎯⎯ Foram embora de madrugada. Mas também, né, eles deviam tá doidos pra se mandar assim que a polícia liberasse. ⎯⎯ A mulher voltou-se para os clientes assim que acabou de falar.

Frustrado, caminhei pelo espaço vazio sobre o qual tendas e brinquedos estiveram montados. Marcas de pneu ainda adornavam a terra ao lado da grama amarelada. O vento comum a uma planície sem edificações embalava as palmeiras e carvalhos numa dança melancólica. Me vi de repente debruçado sobre a amurada de concreto. À frente, o rio resplandecia em verde, ciano, amarelo e laranja. Um tapete de tecido diamantado que serpenteava como o maior estandarte do mundo numa tarde de ventania. Com aquele clima, porém, a brisa podia significar outra coisa.

⎯⎯ Tempestade. ⎯⎯ Chegou ali ao lado uma voz mansa carregada de idade. ⎯⎯ E é uma das estranhas.

O homem que falou me pareceu quase imediatamente familiar.

𝕯𝖊𝖒𝖔𝖓𝖘 𝕱𝖆𝖑𝖑Onde histórias criam vida. Descubra agora