deslocado

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"As marcas que os seres humanos deixam com mais frequência são cicatrizes."

Querido leitor, esta história está ficando cada vez mais intrigante. Talvez porque não saibamos o que irá acontecer, ou talvez tenhamos mentes vazias que precisam ser preenchidas continuamente por coisas diferentes. Independente do que te trouxe aqui, sente-se, acomode-se e vamos para a história.

Fora do carro, nevava, e parecia que as coisas corriam rápido demais. Romênia sabia exatamente o que acontecia ao seu redor, apesar de ninguém se incomodar de explicar isso a ela. Ela se acostumou com a ideia de que, quando se é criança, você não é visto como um indivíduo, alguém pensante que também sente, por isso precisa se manter atenta. Romênia sabia que tinha um pai, só nunca o conheceu. Sua mãe sempre disse que um homem como ele não gostaria de uma criança como ela, e ela nunca questionou. Afinal, crianças devem se manter caladas.

— Chegamos, querida — Romênia despertou de seus devaneios com o breve anúncio da assistente social. Ela ainda estava um pouco desatenta quando a assistente a pegou pela mão direita e a guiou para dentro da enorme casa. Eram 10 horas da manhã quando a assistente bateu na porta da casa dos Sherman. Uma empregada de aparência meiga atendeu a porta.

— Sim, podem entrar — ela disse calmamente, dando espaço para elas entrarem. — O senhor Edmundo está esperando vocês na sala de estar.

A empregada as guiou até a sala enquanto Romênia analisava a casa. O design era vitoriano, com cores claras e muitas pinturas do estilo renascentista, o que era admirável aos olhos da pequena Romênia. Ao chegar na sala, um homem alto, de ombros largos, olhos violetas e cabelos pretos estava sentado com uma mulher alta e de cabelos longos e ruivos ao seu lado.

— Senhor Edmundo, elas chegaram — anunciou a senhora, antes de sair.

— Olá, sou Amanda, a assistente social da cidade de Annecy, e vim trazer sua criança — disse a mulher loira de estatura mediana.

Edmundo sequer prestou atenção nas palavras da assistente social. Sua atenção tinha sido tomada pela pequena figura presente na sala. Ele a encarou da cabeça aos pés, parecia nervoso, enquanto sua esposa exibia uma expressão fria, quase sem emoção, exceto por uma pequena ruga na testa.

— O senhor precisa assinar esses papéis — falou Amanda, fazendo Edmundo voltar sua atenção para ela. — Passaremos a jurisdição do caso para a polícia dessa cidade.

A assistente explicava o regulamento com um sorriso no rosto.

— Por favor, me acompanhe até meu escritório para terminarmos isso — Edmundo disse, sorrindo também.

Romênia se sentiu pequena naquela sala. Não que ela não fosse pequena, mas se sentiu deslocada. Usava o cabelo preso com maria-chiquinha e presilhas de estrelinhas amarelas que combinavam com suas botas. Ela usava uma meia-calça branca, uma saia xadrez azul e preta, uma blusa de manga longa branca e um casaco preto. Em sua mão esquerda, carregava um coelhinho de pelúcia branco, enquanto, atrás dela, quase como um guardião, estava Fantasma, que olhava tudo ao redor em busca de perigo.

A mulher ruiva a observava intensamente, o que a deixava desconfortável. Logo, Edmundo voltou do escritório com a assistente social.

— Foi um prazer ajudar. Cuidem bem dela — disse Amanda antes de se despedir e ir embora.

Romênia se viu sozinha mais uma vez, sem conhecer aquele homem nem sua esposa.

— Qual é o seu nome? — Edmundo perguntou, mais uma vez com um sorriso direcionado a ela.

— Romênia — ela respondeu, olhando-o nos olhos.

— Você sabe quem eu sou?

— Dizem que você é meu pai — ela respondeu.

— Sabe por que eu não duvido agora que você é minha filha, Romênia?

— Por quê? — ela questionou.

— Porque só na linhagem da nossa família as pessoas têm olhos dessa cor — ele falou seriamente.

— Entendo — ela disse.

— Por que só conheci você agora?

— Quem sabe pelo mesmo motivo que eu? Eu não sabia da sua existência, pequena — respondeu ele.

Romênia estava confusa, pois sua mãe sempre disse que ele nunca quis vê-la, mas sua mãe não era muito verdadeira. Por isso, ela resolveu acreditar nas palavras daquele homem.

— Vamos nos apresentar melhor agora. Esta é minha esposa Vanessa. Meu nome é Edmundo e você tem três irmãs mais velhas, que estão na escola, mas em breve você irá conhecê-las — ele se ajoelhou para ficar na altura dela e tentou segurá-la em seus braços, mas Fantasma rosnou em sua direção. Só então ele percebeu o lobo atrás da garotinha.

— Uau, parece que você tem um belo guardião aí — ele comentou.

Romênia fez um sinal com a mão, fazendo-o entender que Fantasma deveria ficar quieto.

— Como eu queria dizer antes, eu não sabia da sua existência, querida. Desculpe por não ter estado presente todos esses anos, por não te conhecer. Você acha que pode me dar uma chance de te conhecer, minha filha? — Ele falava sério enquanto a olhava nos olhos.

Romênia balançou a cabeça em sinal afirmativo. Apesar de ser uma criança doce, ela era carente de afeto, já que sua mãe nunca a quis neste mundo.

Parece que soubemos de mais por hoje, querido leitor.

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