CAPÍTULO DOZE: A MESQUITA

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O DECORRER DO dia não foi fácil para Reece Connor.

Ele acompanhou a cerimônia de enterro do oficial Blackhart. Não era o primeiro enterro de um parceiro de trabalho e só podia rezar para que tivesse sido o último. Estava mais ao fundo da cerimônia, de onde tinha uma ampla visão do cemitério aberto ao ar livre, com lápides que se estendiam no horizonte verde escuro. Sob sua cabeça, uma leve garoa caía do céu cinza escuro. O choro da viúva e de seus filhos lhe era ensurdecedor.

Ele já tinha visto aquilo demais em sua vida.

Pais perdendo seus filhos.

Filhos perdendo seus pais.

Irmãos perdendo irmãos.

Esposas perdendo seus maridos.

Não era à toa que ele rejeitara, há muito tempo, a ideia de ter uma família. Seu medo não era da morte. Era de fazê-los sofrer quando morresse.

...

Algumas horas se passam desde o funeral e Reece, dirigindo a viatura, patrulhava em sua área.

— Você é muito calado, oficial Connor – John Blackhart lhe disse. Num súbito, Reece se voltou para o lado, apenas para ver seu novo parceiro de trabalho tomando um copo de chá gelado. O jovem policial Charlie Bencroft – Eu falei que você é muito calado, oficial Connor – o policial repetiu, Reece percebendo que era apenas sua memória lhe pregando uma peça.

— Ah... sou.

— Bom... você gosta de ouvir alguma coisa? A gente pode colocar no rádio...

— Não toca no rádio – Reece o interrompeu, lançando um olhar furioso em sua direção.

— Tá, beleza... foi mal. Eu só estou tentando quebrar o gelo. Sei que você era o parceiro do oficial Blackhart e nem imagino o quão difícil deve ter sido essa experiência pela qual você passou. Eu ficaria longe das ruas por semanas, com certeza. Mas você está aqui, na ativa, mesmo depois de algo tão terrível. E aquele cara... que cara medonho. Eu vi os registros. Ele parecia bem bizarro, não é? Se bem que, é como dizem: não podemos simplesmente julgar alguém pela aparência.

A viatura, no mesmo instante, freou, o jovem Bencroft se engasgando com o chá e, por muito pouco, não derramando tudo em cima de si.

— Repete o que você falou – Reece pediu, encarando-o com os olhos esbugalhados.

— Caramba, meu deus... eu quase vomitei. Eu... repetir o quê? Eu vi os registros e que ele era bizarro?

— Não, sua criança idiota. Depois disso – Reece exigiu, com um tom mais ameaçador.

— Que não podemos julgar alguém pela aparência?

— É... mas que cacete! Se segura aí – Reece disse, ao mesmo tempo em que fazia o carro cruzar a via e dirigindo para o lado oposto – Precisamos dar um pulinho em Brixton.

...

Finalmente em Brixton, Reece parou o carro em frente à mesquita na qual vigiara a suspeita Aysha Ivonete, dias atrás. Encarando o lugar, lembrou-se perfeitamente de algo que, por alguma razão, fugiu-lhe a memória: o homem estranho que Blackhart e ele haviam visto saindo do templo religioso. Era como se algo tivesse lhe feito ignorar aquele detalhe: o homem era idêntico ao assassino. Apesar disso, era uma informação impossível: o homem estranho que tinha saído da mesquita não teria tempo para chegar ao prédio residencial e matar o oficial Blackhart. Ainda assim, tinha certeza absoluta: eles eram a mesma pessoa. Talvez gêmeos, o que quer que fossem.

— Eu preciso verificar uma coisa. Você, fica aqui – Reece disse, descendo do carro.

— Ah... senhor, com todo respeito, mas fui instruído a acompanha-lo do início ao fim do nosso turno, pela capitã Merissa Dick – o rapaz comentou, seguindo-o.

O Culto da Cabra Negra de Mil Crias • Série Tentáculos do Caos, livro IIOnde histórias criam vida. Descubra agora