CAPÍTULO TRÊS: O MOTORISTA

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JAMES TERMINAVA DE passar uma flanela no volante de seu Chevrolet Cruze 2015 preto. Ajeitou novamente o retrovisor e, uma última vez, conferiu se estava bem arrumado com o terno preto e as luvas de motorista. Sorriu para si mesmo, ignorando seus dentes tortos e amarelados, a pequena verruga no rosto e o olho mais caído do que o outro.

Não precisava de beleza para fazer seu trabalho.

Olhou as conversas em seu celular e sorriu aliviado ao ver a mensagem de um amigo em específico:

"Já tô no trampo. Valeu pela ajuda ontem"

"Que ótimo. Achei que tinham
te quebrado dessa vez"

"Por pouco...ainda bem que me tirou de
lá em tempo"

"Relaxe... sempre que precisar,
pode contar comigo. Só evita me
envolver nessas suas desventuras.
Posso perder clientes demais... e
talvez minha vida"

"Relaxe, sabe que nunca vão descobrir
que você me ajuda vez ou outra"

"Preciso trabalhar, até depois, hackerman"

"Até, motorista mafioso"

James soltou um riso ao ler o "motorista mafioso".

A expressão fazia sentido, mas não era isso que ele era.

Olhou o relógio pela terceira vez. Eram 9:44am. Estava estacionado na Airport Way, Luton LU2 9Ly, em frente ao Luton London Airport, aguardando a sua passageira. Respirou fundo, tentando ficar tranquilo.

Geralmente não gostava de fazer aquele tipo de corrida durante o dia, mas, pelo valor que seria pago, não se incomodava nenhum pouco. Por aquele preço conseguiria custear o um mês do tratamento médico particular de sua filha, Olivia, sem falar na pensão após o divórcio com sua ex-mulher.

A porta do carro se abriu e o ar foi impregnado por um forte cheiro de perfume feminino. Pôde ver, pelo retrovisor, talvez uma das mulheres mais lindas que tivesse visto: era alta, com talvez 1,80m, cabelos ruivos claros bem lisos, presos num rabo de cavalo, olhos castanho-claros frios e apáticos. Sua pele era branca e não possuía sarna alguma na face. Era bem magra e com poucas curvas. A mulher usava um macacão em linho preto, com um cinto feito do mesmo material. Usava algumas pulseiras douradas, dois enormes brincos pratas peculiares e um conjunto de colares de contas no pescoço, o que destoava completamente do conjunto. Além disso, levava consigo uma bolsa da Louis Vuitton, compondo o look sombrio.

Sem falar nada, a mulher entregou um pequeno cartão preto para James, que o encarou durante alguns instantes.

Um cartão exclusivo e que apenas alguns poucos como ele utilizavam. Usando uma pequena lanterna ultravioleta, analisou o cartão, até encontrar um símbolo em específico: um pequeno quadrado com uma esfera no centro e, cortando a lateral do quadrado, uma linha que se conectava à esfera, assim como outra vindo por cima.

Devolveu o cartão para mulher e perguntou:

— Destino, senhora?

— Senhorita, s'il te plaît. Esse é o endereço — disse, pegando um papel e lhe entregando. O endereço era na Gilbert PI, em Bloomsbury. Era um bairro residencial pacato próximo ao centro da capital inglesa. Nada de muita luxuosidade, o que não condizia com o porte daquela mulher. Além disso, ela não trazia nenhuma mala.

Entretanto, estranhar e se indagar sobre certas coisas não era seu trabalho.

Sem falar mais nada, apenas foi ao destino.

...

Seguiram durante quase trinta minutos pela longa via M1. Passaram sobre o Brent Cross Interchange e seguiram pela Hendon Way, até chegarem na Finchley Rd. Passaram próximos ao Centro Escolar Real de Discurso e Drama, na Eton Avenue e continuaram o caminho.

James oscilava entre observar o ambiente a sua volta, a vívida e movimentada cidade londrina, e pelo retrovisor, observando a misteriosa e apática mulher, que mantinha os olhos fixos no céu cinzento.

Ao final da Avenue Road, viraram à esquerda, para Outer Cir e seguiram pela via por mais alguns longos e silenciosos minutos.

— Então... senhorita... — James fez uma breve pausa, esperando que a mulher dissesse seu nome, mas ela apenas voltou os olhos para ele, com um sorriso no canto do rosto — bom, geralmente meus passageiros especiais usam de meu serviço apenas quando indicados por algum outro. Apenas para confirmar algumas informações, poderia me dizer quem foi que lhe entregou o meu cartão?

— Stephen Bronson Griffiths.

— Nossa... o sr. Griffiths... ele foi preso há quase um ano. Ele te deu meu cartão já tem bastante tempo, correto?

Stephen Bronson era um mafioso britânico famoso por manipular jogos de azar, assaltos, assassinato, canibalismo e, em meados de 2014, havia sido preso pelo assassinato de três prostitutas na cidade de Bradford, ao norte da Inglaterra. O homem gostava do apelido que haviam lhe dado: "O Canibal da Besta", visto que, por algum motivo hediondo, divertia-se matando suas vítimas com uma besta e, em momentos de grande loucura, acabava por arrancar pedaços de seus corpos com mordidas.

O criminoso, sempre que ia à Londres, utilizava exclusivamente dos serviços de motorista oferecido por uma pequena rede de transporte particular integrada por indivíduos com fichas criminais, que acabou ficando conhecida como "Dark berU", numa brincadeira sem graça com uma das maiores marcas de serviço de motorista de aplicativo.

Geralmente, como forma de disfarce, boa parte desses motoristas trabalhavam justamente com aplicativos de corrida, o que não era diferente para James.

O que quase ninguém sabia era que a prisão de Stephen Bronson Griffiths havia sido realizada graças à ajuda de James, que forneceu a um parceiro do setor de cibernética da New Scotland Yard a última localização de Griffiths.

Por pouco, seu parceiro hacker não conseguiu prender o homem. O rastreou durante algum tempo, até descobrir que havia se escondido numa de suas casas em Bradford. A única coisa da qual esse seu parceiro dizia se arrepender era de não ter conseguido informar à polícia de Bradford a tempo.

"Se eu tivesse sido mais rápido, aquelas mulheres..."

— Não precisa se preocupar, monsieur...

— Western. Pode me chamar de Western, senhorita... — James respondeu, retornando à realidade.

Monsieur Western... belo sobrenome — ela murmurou, ignorando o fato de que James tentara, mais uma vez, descobrir seu nome — Fique tranquilo: eu não mordo.

James soltou um riso sem jeito e continuou seu trajeto, escondendo seu receio por aquela mulher ter dito que havia pegado o cartão justo com alguém que James ajudara a prender.

Talvez o criminoso tivesse descoberto o envolvimento de James em sua captura e aquela mulher era uma assassina enviada para mata-lo?

O coração de James começou a bater forte. Sentiu seu corpo começar a soar. Sua respiração ficou um pouco ofegante.

— Mas, respondendo o que você me perguntou... sim, eu consegui o cartão com aquele idiot há quase dois anos. Sendo bem sincera, nem sabia que ele foi preso. Tive o desprazer de trabalhar com ele, apenas para conseguir resolver alguns assuntos pendentes. Agora, finalmente, posso dar continuidade ao meu trabalho.

— Ah... entendi. Bom, chegamos, senhorita — James disse, apontando para o prédio residencial referente ao endereço. Sem cerimônia, a mulher entregou o celular para James, mostrando uma transferência de alto valor financeiro, aguardando apenas o número da conta para qual seria enviado. James digitou e devolveu para mulher.

— Obrigado pelo seu serviço, James Western. Você estará ocupado mais tarde? Precisarei de outras duas longas corridas.

— Sem problemas. Basta me ligar. Tenha um bom dia, senhorita...

— Bom dia.

Despedindo-se, a mulher saiu do carro e ficou parada em frente ao prédio, sem entrar. Dando de ombros, James seguiu dirigindo, acionando o aplicativo de motorista e partindo em busca de alguns passageiros... normais.

O Culto da Cabra Negra de Mil Crias • Série Tentáculos do Caos, livro IIOnde histórias criam vida. Descubra agora