— Isto foi por você, Deucalião! Por que foi com eles? Eu te disse, te implorei, e agora...
Pirra virou-se, olhando para os animais nas gaiolas e jaulas com carinho distorcido.
— Todos da Seita... Eles pensam que são salvadores, mas são monstros. O levaram; me prenderam; me machucaram. Mas eles verão Deucalião!
Escutando os lamentos, Mendes emergia em pensamentos melancólicos e sombrios, vendo a presença de Paulo, ali voluntariamente a seu lado. Essa presença que o fazia pensar em Joaquim, levado à morte por sua persuasão. A culpa o espreitava, como sempre, mas a força de Paulo, nascida do companheirismo, tornava tudo ainda mais complexo.
Observando Pirra, a mulher cuja loucura era uma resposta à sua própria perda, o fez se sentir responsável pelo perigo em que seu amigo se encontrava. "Não é como com Joaquim", dizia a si mesmo, mas isso pouco importava. Era mais do que apenas escapar; era uma luta para salvar todos ali, cada um perdido à sua maneira, cada um, vítima de um jogo maior e mais cruel. Mendes e Paulo cruzaram olhares.
— Você tem um plano? — Mendes sussurrou.
Paulo negou e Pirra, a dois metros, parou abruptamente, olhando fixamente para uma das gaiolas.
— Não se preocupem. Não vão nos machucar queridinhos.
Mendes avaliava o cenário, percebendo que precisava agir de forma inteligente. Em sua mente, as opções se desenrolavam como peças de um jogo premente.
Revelar a Verdade? Ele ponderou sobre essa possibilidade. "E se eu dissesse a verdade? Que não somos perpétunos". Essa opção poderia desencadear uma reação imprevisível. A verdade completa vinha com o fato dele ter ficado do lado dos indígenas que mataram o marido de Pirra... muito arriscado. Mas por outro lado ele poderia negociar a segurança de Paulo.
Dizer meias verdades? "E se, em vez de inventar uma identidade, usássemos a nossa real?", pensou. "Somos detetives, afinal. Podemos dizer que estamos aqui para investigar. Isso nos dá uma razão legítima para estar aqui, sem revelar completamente nossas intenções. Mas se der errado, o plano pode nos colocar contra os Perpétunos verdadeiros."
Manter o Disfarce? A ideia de manter o disfarce e manipular a situação pareceu mais segura. "Podemos alegar que somos Perpétunos descontentes, tentando mudar as coisas por dentro. Isso poderia convencê-la e ainda evitar conflito com os Perpétunos verdadeiros... mas e se ela suspeitar? Será que preciso de algo mais convincente?"
Mendes decidiu que meias verdades seriam o melhor caminho. Era um equilíbrio delicado, uma linha entre o perigo e a oportunidade. Com um fio de coragem, ele começou a falar.
— Hey, Pirra! — Segurando as duas pistolas, ela virou-se para ele — nós podemos... podemos ajudar você e seus animais.
— Monstros! não podem ajudar ninguém.
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O relógio de areia
Teen Fiction"O Relógio de Areia" é uma obra de fantasia dramática que conta, de forma linear, a história de Arthur Menezes, um protagonista que cresceu aprendendo a viver da pesca e da carpintaria naval em uma cidade pequena e culturalmente rica. Embora Arthur...