caixa de pandora - parte 2

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Eu não consegui dormir. Era incrível o que 24 horas eram capazes de fazer com uma pessoa. Na noite anterior eu não dormi tamanha a felicidade que eu estava sentindo, e hoje eu não durmo atormentado por tudo que eu tento à anos não mexer.

São 33 anos de tralhas, mágoas, traumas, experiências e sofrimento guardados a sete chaves.
Depois da conversa com a Carla eu senti um nó na garganta que não passava.
Eu sempre fiz o meu melhor pra ser o mais engraçado em qualquer lugar que eu fosse, a ponto de ter me tornado o bobo da corte da família.
E tb sempre dei o meu melhor para ser admirado tanto pela minha ética de trabalho quanto ao meu talento e a minha dedicação exemplar.
Hoje percebo que tudo aquilo eram formas que eu encontrei para me distrair e me enganar sem nem perceber.

Eu sempre fiz de tudo para ser querido por todos e me desdobrava para me manter ocupado o tempo todo. Assim eu evitava ter que pensar demais e estava sempre atolado de trabalho para perceber como aquele comportamento não era nada saudável ou sustentável.

E todo esse trabalho foi o jeito que eu encontrei para fugir do que eu sentia. Eram meus mecanismos de defesa. E agora eu seria obrigado a revisitar muita coisa que me fazia mal e o nó na garganta era um lembrete de que tudo aquilo apesar de escondido ainda doía muito em mim.

Mas eu não tinha escolha. Se eu não quisesse que meu casamento com a Cris tivesse o mesmo destino do meu casamento com a Kate, eu precisaria ter que fazer tudo diferente. E o início teria que ser a maldita daquela caixa.

A Cris se mexeu e eu não queria que ela me visse acordado. Levantei com todo cuidado para não fazer barulho, peguei a tipoia que estava na poltrona e sai do quarto.
Desci as escadas e fui para a cozinha em busca de algo para ocupar a mente.
Revirei a geladeira que apesar de cheia nao tinha nada que me despertasse a vontade de comer.
Respirei fundo e vi que estava chovendo. Estávamos no alto do verão e as chuvas no sul eram quase que obrigatória.
Eu amava sentir o cheiro da grama molhada e decidi que iria ficar um pouco lá fora apreciando a vista e reorganizando meus pensamentos.

Abri a porta de vidro apelas o suficiente para eu passar. A infeliz estava fazendo barulho e eu lembrei que a Cris já tinha reclamado umas 50 vezes daquilo comigo e eu sempre prometia e nunca resolvia.

Ali na parte de trás da casa temos um deck decorado e protegido de sol e chuva.
Eu tenho um sofá em formato de meio círculo que as crianças tinham me convencido a comprar e decidi ficar por ali. Ele era grande e confortável o suficiente para eu esticar as pernas e até deitar se eu quissesse.

A chuva aumentou e eu fechei os olhos, curtindo o momento.
Lembrei de quando eu era criança e não podia ver chuva que saía correndo para brincar no meio do quintal com meu irmão Mac. Ele era pequeno ainda e era minha sombra então tudo que eu fazia ele fazia tb.

Minha mãe ficava maluca pq ela morria de medo de eu ficar doente e não conseguir trabalhar. Mas eu era criança e apesar de amar o meu trabalho tinham momentos que eu queria ser apenas criança mesmo.

Eu não quis acender as luzes para não acordar a Cris mas eu conhecia aquele terreno como ninguém. Se eu saisse de olhos fechados ali eu conseguiria indicar exatamente onde ficava o lago, o casebre, a mata e a delimitação do terreno.

Eu era feliz ali. Após o divórcio eu deixei tudo para a Kate e mudei para essa casa disposto a iniciar do zero. A minha antiga casa não fica longe daqui, apenas 15 minutos de carro, e eu escolhi esse terreno justamente porque era muito parecido com o que eu tinha antes.
Me enchia o coração saber que a Cris estava de volta e que aquele era o nosso canto. A casa era grande e depois de 15 anos com a Kate (entre namoro e casamento) e 4 filhos era difícil ficar ali sozinho.

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