Primeira Morte

30 6 78
                                    

Durante os primeiros quinze minutos de arena, tudo o que Isaac fez foi correr com um monte de tralhas e encontrar alguns dos seus amigos no processo. Ele não deu de cara com nenhuma ameaça de fato, e tem quase certeza de que poderia fazer um acordo com quem quer que não o conhecesse e acabasse por trombar com ele.

Jeremy e Maxine, no entanto, não possuem essa lábia. Durante os primeiros quinze minutos de arena, eles já se meteram em uma briga.

— Nós só estávamos procurando por água, eu juro — Maxine diz, sua voz embargada enquanto ela expõe as próprias mãos limpas. Isaac franze o cenho, não há o menor sinal de sangue nelas. — Foi legítima defesa, eu juro. — Ela repete essa espécie de mantra diversas outras vezes mais, como se estivesse tentando convencer a si mesma. Eu juro. Eu juro. Eu juro.

Isaac acredita nela. Apesar do que ele viu nos treinamentos, que fora Maxine ameaçando todos os tributos com uma adaga e esfaqueando um manequim diversas vezes, ele sempre soube que aquele tratava-se apenas um escudo de defesa. Maxine é inocente. Todos eles são inocentes ali, independente da quantidade de sangue que será transportada para as suas mãos, Isaac acredita neles. Nada é culpa deles realmente, é tudo a Capital.

— Tudo bem, Max, nós acreditamos em você — É a voz tranquilizadora de Nicholas, se aproximando de Maxine como se ela fosse um bicho assustado, eeus passos lentos e metódicos claramente bem intencionados. Enquanto isso, Romeo assiste a cena paralisado.

Já Isaac não consegue dar atenção a esses detalhes. Ele sente muito por Maxine, sente mesmo, mas não consegue racionalizar isso no momento. Não quando ele se aproxima de Jeremy e consegue ver claramente que o mesmo está ferido. Jeremy não grita à toa, é claro que não. Isaac tem até dúvidas se já o ouviu gritar antes. Jeremy é uma pessoa que sempre lidou com as suas merdas em silêncio.

Ele está escorado em uma árvore, seu corpo todo deitado exceto pela cabeça, onde seus fios dourados se mesclam com um monte de cascas e seiva. A sua mão, ao contrário do que Isaac esperava ver em Maxine, está suja com sangue, mas é o próprio sangue de Jeremy ali. Chegando mais perto, Isaac pode ver, é a sua mão que está ferida, uma faca foi enfiada literalmente até o cabo nela, a ponta chegando até passar para o outro lado.

Isaac se abaixa, até que esteja de joelhos e de frente para Jeremy. Jeremy esse que está com a cabeça baixa, os lábios tremendo e o peito subindo e descendo ritmicamente. Isaac quer muito segurar o rosto dele e dizer que tudo vai ficar bem. As suas mãos até coçam com a necessidade do contato físico. Mesmo um roçar de dedos seria o bastante. Isaac não o vê há duas horas e já está morrendo de saudades.

Ele coloca a culpa disso na arena, que aumentou a frequência de absolutamente todos os seus sentimentos. Ele está mais propenso a se sentir carente agora, como um filho que faltou os cuidados da mãe e sente muita vontade de se agarrar ao colo dela de modo que pudesse resolver todos os seus problemas. Previsivelmente, o filho sabe que não vai. Os quinze minutos que Isaac não soube dizer com certeza se Jeremy estava vivo ou não, também foram assim. Agora Isaac está desolado e faminto e não há nada que vá saciar a sua fome.

— O que fizeram com você? — Isaac sussurra. Jeremy, por sua vez, apenas levanta os olhos sem fazer nada além de soltar um suspiro estrangulado.

Os olhos de Jeremy estão cheios de lágrimas de dor que Isaac sabe que ele está há muito segurando. Sua boca está seca e rachada, além de manchada com o sangue que escorre do seu novo corte. O seu cabelo, ah, virou uma bagunça de cachos não definidos. E, por fim, há uma cicatriz em sua bochecha, uma pequena e inofensiva que derrama sangue e que Isaac sabe que vai deixar uma marca quando Jeremy voltar para casa. Porque ele vai voltar para casa. E Isaac está furioso em ver que a Capital mudou até mesmo isso nele, até a sua aparência.

the hunger gamesOnde histórias criam vida. Descubra agora