Vulnerável

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O estado de dissociação é uma nuvem densa e escura que transporta Jeremy para uma espécie de realidade paralela no qual ele já esteve preso múltiplas vezes antes. Ele consiste numa falha súbita na integração das memórias que ocasiona o afastamento das emoções e da mente e uma desconexão temporária do indivíduo com a realidade. De modo grosso, é como se seu cérebro desse um apagão de repente e depois voltasse como se nada tivesse acontecido. Os seus ossos e músculos se movem por puro reflexo, mas nada é pensado ou calculado realmente.

Jeremy, pessoalmente, é um expert em se sentir fora da realidade. Frequentemente, a sua mente pausa, o seu cérebro derrete e Jeremy demora alguns segundos, por vezes minutos, para se questionar o que aconteceu com ele enquanto esteve fora. É o que ele sabe que se chama de fuga dissociativa. Embora, às vezes, nem mesmo tenha uma razão aparente — pode acontecer quando um gatilho é ativado, mas também pode acontecer por absolutamente nenhum motivo. É complicado e difícil de lidar, é parte do porque Jeremy teme sempre que alguém se aproxima. Ele não quer que as pessoas notem as falhas em sua composição.

Durante muito tempo, Jeremy se questionou se havia alguma parte dele, por menor que seja, que não tivesse crescido e se fortalecido puramente devido ao trauma. Ele não sabe como seria se não houvesse algo marcante que moldasse toda a sua personalidade e adiante. Possivelmente, Jeremy não seria nada.

Nesse exato momento, o seu inconsciente se esvai, e daí em diante tudo o que resta dele na arena é o seu corpo vazio e morno. Ele não está mais vivo do que o corpo morto debaixo dele.

Jeremy encara o estilete, sangue quente escorrendo por entre os seus dedos, e então encara o rosto cinza e sem vida do tributo que ele matou. A flecha que Jeremy usou ainda está presa na jugular da sua vítima, mas Jeremy não sente dor, nem tristeza, nem culpa, nem nada. Ele toca sua pele contra o rosto do carreirista, apenas para lhe fechar os olhos, o sangue em suas mãos corre para as pálpebras do outro garoto e lhe molham a bochecha, mas Jeremy ainda não sente nada. A pele contra pele não lhe traz calafrios como de costume, nada no mundo tira qualquer tipo de reação dele agora.

Com os olhos fechados, a mente de Jeremy afunda.

***

A cabeça de Isaac lateja com a nova dose extrema de adrenalina que o seu corpo foi obrigado a se adaptar. Felizmente, ele encontra algo no qual se escorar quando sente que vai tombar para frente. O cadáver de Hailey está nos seus pés, sangrando e imóvel, e Isaac precisa desviar um pouco dele para poder atingir o seu objetivo – Romeo. É um ato impensado, não há nenhuma intenção de soar malvado, Hailey era uma pessoa desesperada e Isaac jamais trataria sua morte com tamanho desprezo, independente de como ela o tratou, ele jamais riria. Contudo, o cérebro de Isaac funciona de uma maneira interessante e, quando ele encontra Romeo, tudo o que ele consegue sentir é alívio. Isaac ri.

Ele pensou que iria morrer. Ele se deixou ficar para morrer. É uma coisa aterrorizante que Isaac sequer tenha pensado na possibilidade de salvar a sua própria vida e matá-la. Ele ficou vulnerável e mostrou a sua natureza. Em um instante, Hailey estava ali, apontando uma arma na direção dele, e no outro Romeo estava enfiando uma lança nas suas costas e salvando a vida de Isaac, que jamais teria feito o mesmo.

— Obrigado — Isaac murmura, outra risada assustada fazendo menção de escapar pelos seus lábios. Ele estava com tanto medo. Ele está tão feliz por estar vivo. E, acima de tudo, agora ele entende e sabe que não quer morrer. Ele não quer morrer. Ele não quer. — Obrigado. Obrigado. Obrigado.

Isaac beija o rosto do amigo e aperta Romeo pelos ombros em um abraço desconfortável e apertado. Ele aperta tão forte que Romeo até solta um gemido. Com lágrimas nos olhos, Isaac se distancia, apenas para se lembrar de que Romeo está gravemente ferido.

the hunger gamesOnde histórias criam vida. Descubra agora