Memórias

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Não é a primeira vez que Jeremy acorda desejando não ter acordado.

A situação toda em si é horrorosa e a dor em sua mão é tão insuportável que torna-se impossível de se esquecer. Faz com que Jeremy se sinta doente. Talvez ele até já esteja doente, uma vez que ele sabe que seu corte vai infeccionar. E estar morto agora, para Jeremy, seria muito mais piedoso do que esperar por isso.

No entanto, é a primeira vez que Jeremy se levanta e se arrepende instantaneamente do que tinha pensado. O desânimo domina o seu corpo todo santo dia, essa é uma prisão no qual o corpo de Jeremy está preso. Assim como a tristeza é a sua companhia de cela. Mas na arena, a sua melancolia excessiva não é apenas desgastante, é um empecilho entre Isaac e a sua vitória nos Jogos Vorazes. Jeremy não pode deixar que ela vença, ao menos, não ainda. Ele precisa continuar lutando.

Isso sendo reconhecido, Jeremy se levanta. Ele se levanta e não se surpreende por não haver ninguém ao seu redor além de Isaac.

Isaac, que está com todos os itens de sua mochila expostos na grama e que tem conversado com as câmeras como um lunático.

— Eu preciso daquele remédio, Ryan — Isaac diz, a cabeça levantada para uma árvore em específico, sequer notando a presença inquieta e acordada de Jeremy. — E sei que nós não podemos escolher, mas... Um pão ou qualquer coisa no café da manhã seria bom. Manteiga também, se não for pedir demais.

Jeremy, apesar de tudo, esboça um sorriso. Ele sabe que não é bem assim que os patrocínios funcionam. Isaac também sabe, Jeremy não entende porque ele está se fazendo de bobo se, na teoria, não há ninguém ali na arena para prestar atenção nele. Jeremy tem dúvidas de que Isaac esteja fazendo isso apenas para entreter a Capital.

— Olha só o que eu peguei — Isaac aponta para a câmera, depois para os itens na grama. Há um saquinho com três finas tiras de carne desidratada, duas garrafas com água reposta pelo lago à apenas alguns metros de onde eles acamparam, uma caixinha de fósforos, um estilete e um cobertor pequeno. Isso é tudo o que a mochila dele lhes proporcionou. — Essa carne desidratada é brincadeira, viu?

Desta vez, Jeremy não consegue conter o riso. Ele solta uma risada frágil e rápida, como basicamente todas as suas outras risadas. E, como sempre, é o bastante para que toda a atenção de Isaac se volte para ele.

Ah, tendo a atenção dele assim, Jeremy consegue ver que Isaac está um trapo. Ele se lavou no lago durante a última noite, mas seu cabelo parece oleoso e seus olhos estão profundos e escuros, o que comprova que ele realmente não dormiu tanto quanto deveria.

Jeremy, por outro lado, dormiu bastante, ele teve que dormir. O único analgésico que tinha no kit de emergência de Romeo foi dado a Jeremy, o que fez com que ele dormisse a noite toda e não pudesse participar do esquema de vigia. Isaac, como o anjo que ele é, deve ter pego dois turnos para compensar a falta dele.

— Jimmy, oi — Isaac diz, sua respiração presa enquanto seus olhos analisam Jeremy e param exatamente na sua mão machucada. Foi um curativo fajuto, aquele que Jeremy fez, mas Jeremy já viu machucados piores em corpos menores que conseguiram se cicatrizar mesmo sem bons medicamentos. Não que ele precise cicatrizar, porque Jeremy não vai para lugar algum.

Jeremy caminha até Isaac. Ele se senta de frente para o mesmo, com os produtos da bolsa de Isaac entre eles, e finge que está muito ocupado observando cada item. É um trabalho árduo, fingir que não está olhando quando seus olhos estão desesperadamente tentados a olhar.

No fim das contas, Jeremy é um homem fraco. Então ele levanta os olhos apenas para ver Isaac ali, o encarando como vinha fazendo durante todos os últimos anos.

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