O Tordo

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É muito cedo quando Ryan resolve se juntar ao restante dos mentores na sala de televisionamento depois do café da manhã. Há apenas um ano atrás, Ryan aproveitaria suas manhãs na Capital para dormir até não poder mais ignorar os seus tributos na arena, mas como é Isaac quem está correndo risco de vida agora, Ryan mal dorme.

Ele supõe que isso deveria fazê-lo se sentir culpado, essa sua ignorância a respeito de todos os indivíduos que não tem valor algum para ele, mas não faz. Talvez isso faça de Ryan uma pessoa ruim, ele não se importa.

Ele pensa o tempo todo no que Hillary lhe disse. Os dois ficaram até tarde da noite conversando sobre um plano que pode dar errado de inúmeras maneiras possíveis. Existem tantas nuances nessa história que Ryan poderia facilmente cair fora, e, no entanto, ele não cai. A sua motivação poderia ser qualquer outra, poderia ser por fé na revolução e no distrito 13 que há muito acreditava-se ter sido destruído, ou fé na existência de uma pessoa presente na Capital que apenas pouco tempo atrás incitou o povo do seu distrito a se rebelar... Mas não, a única motivação de Ryan é Isaac.

E é simples assim.

O que Hillary lhe contou é apenas a ponta do iceberg. O que Ryan sabe é que a Capital bombardeou o distrito 13 há oitenta e quatro anos e que o distrito se manteve subterrâneo durante todo esse tempo. Ele também sabe que uma guerra está muito, muito perto de acontecer, e que certamente ele e outros residentes dos mais altos distritos serão obrigados a participar, mesmo não compreendendo. Ele sabe que trazer Jeremy junto de Isaac de volta para casa seria útil para essa revolução.

No momento, a última parte é a única que Ryan se permite pensar. Como trazer Jeremy e Isaac para casa. Como convencer a Capital a achar essa uma ideia viável.

Quando Ryan se aproxima do seu tablet, ele já está ligado. Seja lá quem foi o filho da puta que se deu a esse trabalho — provavelmente um avox –, Ryan o agradece em sua mente, ele detesta mexer com essas merdas, não há nada assim no seu distrito e ele não está acostumado. Ryan se senta na sua poltrona e, com o tablet já ligado, assiste ao que está passando na programação. Não é uma gravação da arena, como ele esperava, mas uma entrevista com Love e as imagens de Louis nas suas costas.

Como Ryan nunca esteve acordado essas horas e nunca ligou em fazer declarações sobre os seus tributos, ele está bem chocado. Nenhum mentor costuma responder a entrevistas, ao menos, nenhum no qual Ryan se lembre. Nem mesmo Skyler, que manipula as câmeras como ninguém, faz essas coisas. Ryan se vê se inclinando para o tablet e assistindo Love incitado.

Isso lembra um pouco Ryan dos tempos de Love na arena, quando ele assistia os jogos somente quando era ela quem estava sendo televisionada. Ele a assistiu não fazer absolutamente nada sentada sobre uma árvore alta enquanto os demais tributos estavam todas se matando, e depois assistiu as entrevistas ousadas que Love deu declarando seu ódio pela Capital. Lhe era quase um ponto de paz, de sobriedade. Como foi um ano após os jogos de Ryan, assistir Love agir como um ser humano de verdade foram alguns dos únicos momentos em que Ryan sentia que não precisava estar alcoolizado para sentir alguma coisa.

Conhecendo Love de perto agora, ele finalmente entende o porquê.

Ele era um bom garoto, um bom amigo — Love está dizendo do outro lado da tela, enquanto Flickerman, o apresentador, balança a cabeça para ela como se a entendesse.

Ryan duvida muito que ele realmente entenda.

Como se para provar sua própria burrice, Flickerman volta a segurar o microfone e se vira para a câmera. Ele faz contato visual com a lente.

Viram só, galera? Louis era um garoto comportado, como um cachorro, um cachorro muito bom. Nós todos vamos sentir falta dele.

Ryan assiste Love arregalar os olhos e, de repente, ficar vermelha. É por isso que os mentores não dão entrevistas sobre os seus tributos após eles terem sido mortos, mesmo tendo a chance. É doloroso. E, no momento, Ryan consegue ver Love ficando irritada. Ela vai fazer alguma besteira, assim como Maxine, a outro tributo dela, também fez ontem e no dia de sua entrevista. Talvez seja um temperamento característico de todo o seu distrito.

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