A Revolução

20 4 267
                                    

Há um padrão no qual Jeremy se colocou sem nem mesmo notar durante essas últimas vinte e quatro horas. Sempre que surge alguma ameaça que possa minimamente colocar Isaac em risco, ele faz as coisas mais improváveis possíveis que jamais faria em sã consciência.

Como, por exemplo, agora.

O paredão de fogo se inicia a quilômetros de distância, mas caminha gradativamente rápido. É quando Jeremy percebe que as bolas de fogo que brotam no meio do paredão e se lançam para frente estão mirando para acertá-los, que ele e Isaac passam a correr.

Isaac faz menção de perseguir Nicholas, Ginny e Maxine para a direita, mas o cérebro de Jeremy de alguma forma consegue processar o significado e a ameaça desse paredão de imediato. É porque Maxine disse aquelas coisas, Jeremy pensa, ele também pensa no discurso que ela deu na época das entrevistas, há apenas três dias, acusando o presidente de Panem por coisas terríveis e insanamente reais. Talvez as coisas que ela tenha pontuado estejam finalmente provocando consequências e, uma vez que isso seja verdade, a Capital pretende eliminá-la.

É com pesar no coração que Jeremy decide que não vai permitir que isso respingue em Isaac.

Ele estica a mão, seus dedos circulam o pulso de Isaac, e Jeremy leva o parceiro para o lado oposto basicamente arrastando-o. Isaac não se nega, pelo contrário, ele persegue Jeremy cegamente como se estivesse correndo atrás de um instinto, de uma salvação. Eles continuam correndo para frente, mas desta vez miram para o lado esquerdo ainda inexplorado da floresta. Encarar o desconhecido é um risco no qual Jeremy está disposto a correr agora.

Sua mão está molhada de suor quando, após longos minutos, eles param. Como o esperado, o paredão de fogo não os persegue mais – o que só comprova o quão certo Jeremy estava: ele e Isaac não são o foco –, mas saber disso não impede que Isaac tenha se queimado um pouco no processo.

De repente, Jeremy solta o pulso de Isaac, como se tivesse acabado de se lembrar que o garoto carrega uma doença contagiosa. Ele nem mesmo consegue olhar para a própria mão enquanto se joga para trás e tropeça nos próprios pés. O fato de uma de suas pernas estar machucada só facilita ainda mais o processo, Jeremy cai no chão e, ao invés de se levantar, se rasteja numa auto punição dolorosa até chegar na árvore mais próxima. Ele esfrega a mão na casca da árvore até ela deliberadamente começar a sangrar.

A mão em questão, é a mesma que lhe foi enfiada uma faca há apenas um dia, então não é necessário muito além de desfazer o curativo improvisado de antes. O seu sangue escorre e passa a pincelar uma nova camada de cor no tronco da árvore. Jeremy não vai largá-la nunca mais, como se soltar a mão da árvore fosse imediatamente levá-lo ao toque de Isaac de novo.

— Porra, as meninas... — Isaac diz, a voz falhando. Ele fita a roupa que se desfez em seu ombro dando espaço para uma queimadura intensa de, no mínimo, uns dois graus.

Merda, Jeremy se inclina instintivamente para frente de volta, quando o seu cérebro finalmente recapitula o que acabou de acontecer e nota que Isaac está ferido. Sua cabeça está dando uma espécie de curto circuito nesse momento, processando algumas coisas muito, muito lentamente, enquanto outras, as mais racionais, são mais fáceis de captar.

Ele abandona a árvore.

De alguma forma, o que se passa pela sua cabeça é bem simples: Jeremy precisa olhar, olhar de perto, porque se puder conferir o ferimento, talvez poderá garantir para o restante do seu corpo que Isaac não corre nenhum risco de vida. Ele vai se aproximando vagarosamente, receoso, até que esteja praticamente em cima de Isaac encarando o seu ombro em carne viva.

A ideia de ter uma forma física com anseios e vontades lhe traz um desespero deprimente. Ele se esqueceu por alguns instantes como é ser um ser vivo e, agora, se dando conta de que quer desesperadamente tocar Isaac apenas para garantir que ele está bem, Jeremy se assusta. Ele não está acostumado com esse "querer" – ou melhor, ele quer o tempo todo, mas nunca chega realmente perto de realizar seus próprios desejos, como se não fosse mesmo merecedor de cumpri-los. Isto é, até esse instante.

the hunger gamesOnde histórias criam vida. Descubra agora