26 de Dezembro
Boa notícia, não é mais natal.
Má notícia, são duas da manhã e eu ainda estou no hospital porque desmaiei de pânico.
Má notícia de novo, a região do acesso inchou e eu vou ficar de observação por mais um dia inteiro porque "é normal, mas por precaução...".
Má notícia pela última vez (espero), não consigo dormir.
E meu celular está nos últimos 15% de bateria. Eu não trouxe carregador, não pensei que ia durar mais que umas horas no PA. O que significa que em breve eu vou enlouquecer na própria solidão. Não que descer o feed do Instagram cheio de fotos de ceias natalinas e pessoas felizes esteja me fazendo muito bem.
Não está. Eu quero morrer. Quero pedir um delivery de uma porção de camarão e enfiá-los todos goela abaixo. No instante que chego no stories da minha mãe e encontro felicidade, eu quase emito um som animalesco.
Como não posso, as lágrimas escorrem pelo rosto. Isso é bobagem. Eu já sou crescidinha. Eles não têm tanta importância assim.
Eu só não quero me sentir tão sozinha.
— Pais? — Cassandra sussurra e eu viro o rosto para notá-la acordada.
— É.
— Olha, experiência própria, eu sei que é péssimo, mas passa. Se afastar fica mais fácil quando a gente cresce.
— Sei lá, sinto que fica pior — confesso. — E isso me faz me sentir pequena porque, quando eu era mais nova, pensei que esse sentimento já teria passado. Mas aqui estou eu, sozinha em um hospital por comer camarão e cair da cama.
Sorrio. Tento limpar as lágrimas com as costas das mãos, mas é impossível.
— Que azar. — Ri. — Mas sério, passa. Você é jovem, é aceitável comer camarão e quase morrer às vezes.
— Você parece ter a minha idade, por que raios tá com papo de velho?
— Você tem quantos anos? — Cassandra pergunta.
— 17.
— Eu tenho 18. E tenho uma bagagem que você nem acredita. — Ri só de pensar. — A gente tem muitas experiências quando sabe que vai morrer cedo.
Engulo em seco. É engraçado como estou me lamentando de não ter atenção dos meus pais sendo quase uma adulta para alguém que vai morrer. Deixa tudo mais ridículo ainda.
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Camarão sem coração ⚢
RomanceBelém Martins quer se vista. Não por qualquer um, mas pelos pais - que nunca estão por perto. Quando o natal chega, ela tem um plano para chamar um pouco de atenção e conseguir um almoço em família. Um camarão, uma crise alérgica e um telefone deses...