28 de maioNão é tão ruim assim falar com uma desconhecida que anota coisas em um caderno e responde calmamente os maiores absurdos do mundo. Tudo bem, ainda é estranho. Tenho frio na barriga antes da sessão, mas passa. O que é estranho, eu ainda não sai de nenhuma terapia sem chorar. E para mim, chorar é péssimo. Uma fraqueza. Então... por que me sinto tão mais confortável de estar com os olhos marejados quando saio, mesmo que precise passar por várias pessoas antes de ir embora?
Pais deploráveis? Falei. Dificuldade em me sentir próxima dos meus amigos? Também. Tenho uma amiga que vai morrer? Sim. Tenho nota suficiente para passar em medicina, já que eu sempre tive a melhor educação de todas, mas fingi que não e não me inscrevi em nenhuma faculdade por não saber o que fazer? Ainda não.
Daqui alguns meses, talvez eu possa começar a abrir terreno sobre... a esquisitice subnotificada.
A que me faz ler livros nas horas vagas. Logo eu, que nunca fui uma leitora ávida. Compradora de livros? Talvez. Algo um tanto curioso, os primeiros livros que leio de verdade não foram nenhum das pilhas que compro.
Em algum momento, devo ir na livraria conversar com Marina e devolver os que terminei. Eu dei o meu número, mas ela não me mandou nenhuma mensagem, ainda que eu tenha demora mais que o aceitável depois de tudo.
— Você gostou de tomar esse? — Tiro da mochila a caixa de remédios.
Tive a minha primeira consulta psiquiátrica. Não gostei tanto quanto terapia, mas a Rebeca me encaminhou e... agora tenho uma amostra do remédio que vou tomar todos os dias, às 9 da manhã. Como é no mesmo lugar, atravessei o corredor e subi as escadas para encontrar Cassandra.
— Falando assim, antes de me perguntar se eu já tomei, até parece que já experimentei todos os antidepressivos do mundo — Cassandra provoca.
— Ser-tra-li-na — leio o nome na embalagem, devagar.
— Ah, tomei. Mas não, não vou dizer nada. É importante que você não seja manipulada pela opinião de terceiros.
Reviro os olhos.
— Você é terrível — resmungo. — Mas tem sintomas colaterais?
Ela não responde. Se eu tivesse algo para jogar nela, jogaria. No momento, ela parece uma criança energética: sentada na cama, balançado os pés e segurando o sorriso ao me ver irritada por bobeira.
A gente se viu todos os dias da semana, mesmo que não fosse lá uma grande interação. Em uns deles, assistindo videoaulas sobre processos erosivos ou triângulos equiláteros. Em outros, depois da terapia, em silêncio. Nada. Nem sei porque eu vinha, talvez por ser perto demais para recusar, me sentando na poltrona de sempre sem ter um único pensamento na mente.
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Camarão sem coração ⚢
RomanceBelém Martins quer se vista. Não por qualquer um, mas pelos pais - que nunca estão por perto. Quando o natal chega, ela tem um plano para chamar um pouco de atenção e conseguir um almoço em família. Um camarão, uma crise alérgica e um telefone deses...