11 de junho
— Eu acho que não tenho referências românticas.
A terapeuta ajeita os óculos. Foi uma luta para decidir falar sobre isso, mas acho que meu cérebro não é um bom lugar para pensamentos ficarem solitários sem serem ditos para ninguém. Então na terça, fico inquieta até que esteja sentada na cadeira confortável enquanto a psicóloga me escuta e não me julga. Talvez ela me julgue como "eu atendo o tempo inteiro pessoas com problemas maiores e vem essa tonta...". Belém, pelo amor de Deus. Foco.
— Meus pais são casados, mas de um jeito... estranho. Sei que eles se amam, estão quase sempre perto um do outro — diferente de mim — mas nunca foi algo meio "como é romântico meus pais juntos". Tudo bem, talvez eu tenha desejado que eles se separassem em algum momento e algum deles se apegasse a mim. Isso não é importante.
Mesmo assim, ela faz uma anotação.
— O foco é que eu nunca vi amor neles. Nunquinha. E se senti quando criança, não lembro mais. Minha tia é crente fervorosa, ela tem uma visão diferente sobre relacionamentos. As poucas vezes que a vi junto com o marido, parecia que eles se odiavam. Não que brigassem, era só... dois desconhecidos.
Minhas amigas nunca namoraram. Talvez ficantes de longa data, falsos relacionamentos de poucos dias e buquês de flores no dia dos namorados. Talvez por estar do lado delas, eu sabia que não era exatamente uma paixão. Coisa de adolescentes. Talvez um pouquinho mais de manipulação, já que ficavam felizes em serem paparicadas.
— Meus novos amigos também não namoram.
Como Andressa disse, parece tudo fogo de palha. E eu acho que Mavi realmente nunca namorou. Talvez já, mas parece que não.
— Eu nunca namorei. Nunca beijei na vida. Eu... acho que nunca gostei de ninguém. Nenhuma faísca. Mas isso não me deixa mal, claro.
Não tinha espaço para me sentir excluída também por não querer alguém até perceber que isso estava se tornando meio crônico.
— Mas vamos lá: ninguém nasce namorando. Não existem almas gêmeas desde o nascimento, ninguém sabe o que é gostar de alguém assim no instante que tem um coração batendo. A gente aprende. Nos mínimos detalhes, convivência, por cada pessoa que a gente passa... então quando gostamos de alguém, é fácil saber. As pessoas sempre sabem. Ainda que minhas ex-amigas nunca tenham namorado, elas nunca tiveram um dilema meio "será que isso é gostar de alguém? Será que eu quero beijá-lo mesmo?".
Porque as pessoas sabem. Elas aprendem, é como qualquer outra coisa. O que é amor se constroi. O que é se apaixonar também. Todo mundo tem uma fantasia de como é namorar alguém, beijar alguém, conviver com alguém. Quando chega a puberdade, tem toda a questão de hormônios. É natural.
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Camarão sem coração ⚢
RomanceBelém Martins quer se vista. Não por qualquer um, mas pelos pais - que nunca estão por perto. Quando o natal chega, ela tem um plano para chamar um pouco de atenção e conseguir um almoço em família. Um camarão, uma crise alérgica e um telefone deses...