𝙿ô𝚛 𝚍𝚘 𝚜𝚘𝚕

97 11 28
                                    

Como o cemitério só abria às nove, imaginei que conseguiria dormir até um pouco mais tarde. Mas quando abri os olhos e não consegui mais fechá-los novamente, me surpreendi ao ver que ainda eram seis e quarenta.

A imagem que eu havia recebido na noite anterior ainda estava na minha cabeça, assim como eu tinha previsto. Provavelmente tive pesadelos, já que acordei com uma sensação horrível e dificuldade para respirar.

Saí do quarto discretamente, andando na ponta dos pés até a cozinha e levando um susto ao ver uma figura alta perto da pia.

– Bela? – Ray se virou pra mim, um copo de água nas mãos, – O que tá fazendo acordada tão cedo?

– Não consegui dormir mais. – Fui sincera, me aproximando dele, – E você?

– O mesmo. Fiquei meio ansioso. – Ele coçou a nuca, – Quer sair?

– Mas ainda são seis horas…

– Tem uma praia aqui perto. Podemos ver o nascer do sol. – Ray me olhou quase que sem jeito.

Não vi motivos pra recusar, então ele escreveu um bilhete para Sarah, o prendeu na geladeira e pegou a chave da caminhonete. Nem tive tempo de me arrumar muito (pelo menos tirei o pijama dessa vez), já que o garoto estava claramente ansioso pra sair.

Saímos de casa sem fazer muito barulho. O céu ainda estava clareando, e uma brisa fria varria a manhã quando rumamos para a tal praia.

– Eu vinha muito aqui. – Comentou Ray, estacionando perto da areia.

Tentei imaginar o mini Ray correndo pela beira do mar, e sorri com a imagem fofa.

– Costumavam ter carrinhos de sorvete. – Ele dizia enquanto eu batia a porta. O garoto estava encostado no capô, e seguindo seu olhar pude ver o horizonte clareando aos poucos.

– Acho que está cedo demais pros carrinhos aparecerem. Que bonito. – Acrescento com um sussurro.

Ray me olhou de relance e catou minha mão, me puxando para a areia. A praia estava praticamente deserta; o silêncio era quebrado pelo som das ondas se quebrando e das gaivotas sobrevoando a água.

O garoto começou a contar algumas histórias, sobre como aprendeu a nadar ali (quase se afogou), e como o avô o levava para ver as estrelas, sentados na areia. Parando pra pensar, acho que nunca tinha o visto falar tanto. Deixei que o fizesse, rindo às vezes ou apenas admirando o local (ou admirando ele), até que de repente ele parou.

– O que foi? – Pergunto confusa, e Ray aponta pro céu de relance; o sol estava surgindo.

– Quero ver. – Ele me puxou para o chão.

– Ah! Vamos nos sujar… – Reclamo, mas Ray se acomoda na areia mesmo assim.

Olhamos para o horizonte. O céu passou de azul escuro para claro, e um leve tom rosa e laranja pintava o céu como se saísse da água.

– Uau. – Deixei escapar.

Demorou pra dar nove horas. As lojas ao redor da praia abriram uma por uma, e como eu estava com fome - Ray percebeu - ele me pagou um sanduíche em uma lanchonete, dizendo que não sentia fome.

Enquanto a hora se aproximava, pude notá-lo meio quieto demais pra alguém que tinha falado tanto antes.

O cemitério era maior do que eu pensava. Um grande portão se abriu para nossa caminhonete, e pude sentir o calor emanar do corpo de Ray enquanto ele estacionava.

Desci do carro, meus pés encontrando cascalho com muitas pedrinhas. Estava fresco, e agora o céu já estava bem claro.

Pedimos informação para alguns funcionários e logo encontramos o túmulo. A lápide era de pedra, e Ray ficou parado na frente dela, a franja cobrindo parte do rosto. Me inclinei para deixar o pequeno buquê que eu tinha comprado, e apesar de não tê-lo conhecido senti minha garganta doer de tristeza.

Me, him and the stalker-ᴿᵃʸˣᴿᵉᵃᵈᵉʳOnde histórias criam vida. Descubra agora