Por fim, a quinta vez que tive vontade de sair correndo e nunca mais voltar: Quando aquele babaca apareceu e acabou com o pouco entusiasmo que eu tinha sobre essa ideia de Plano A dar certo. Só não fiz isso porque desistir faria com que ele tivesse razão.
E a ideia de um babaca como ele ter razão me incomoda muito mais do que os 20kg que Dani me faz levantar com as pernas.
Todos os preconceitos que eu tinha sobre esse lugar estavam certos, mas o principal é sobre o tipo de gente babaca que habita esses corredores.
O Rei da Academia nem me deu a chance de me desculpar, de dizer que é a minha primeira vez habitando esse ecossistema misterioso e que não, eu não sei as regras, mas seria bem mais fácil se alguém estivesse disposto a me ensinar ao invés de só despejar comentários maldosos pra cima de mim.
Mas eu deveria imaginar que nada de bom poderia surgir de pessoas tão...Privilegiadas, quanto ele.
Não dizem que Deus ou dá músculos ou educação para as pessoas? Nunca os dois?
Bom, se não dizem, deveriam.
Ainda estou tremendo quando chego no topo da escada e ando devagar em direção ao vestiário feminino. Estou fazendo um esforço colossal, porque investi tanta energia naquela interação desastrosa que sinto como se precisasse de férias de um ano de qualquer tipo de contato social. Pra falar a verdade, não sei nem como confrontei aquele cara daquela forma. Não foi nada Serena.
Eu não sou exatamente esse tipo de pessoa. Sou do tipo que, em situações de conflito como essa, coloco meu rabinho entre as pernas e saio correndo pra chorar e me esconder num canto escuro.
Como quando na quinta série, Estevan Brito roubou meu caderno de perguntas e debochou na frente da turma inteira sobre como aquilo era infantil pra garotas da minha idade. E eu tinha muitas respostas incríveis na ponta da língua pra dar pra ele e confrontá-lo ali mesmo. Eu não precisava nem mesmo pensar muito, nem de tempo para elaborar o que eu queria dizer pra me defender. Eu queria dizer que aquele era um sofisticado estudo antropológico sobre o comportamento juvenil. Cada pergunta ali era meticulosamente escrita em uma tentativa de entender a complexidade do comportamento adolescente.
"Quem é o seu crush no momento?" e "Qual superpoder você escolheria ter?" eram perguntas que revelavam muito mais do que Estevan poderia imaginar.
Quis dizer tudo isso pra ele? Sim, no exato momento em que ele balançou meu caderno no ar, na frente de todo mundo, e imitou minha voz dizendo: "Quem quer responder meu caderninho agora?".
Eu de fato disse? Não. Porque essa não sou eu. Eu não falo as coisas que surgem na minha cabeça, por mais necessárias que elas possam parecer. E veja bem: Elas surgem. Surgem imediatamente.
Eu sou uma máquina de respostas afiadas e super sinceras. Só tem um detalhe: Elas só sobrevivem dentro da minha cabeça. Elas não saem. Não passeiam por aí entregando verdades que as pessoas precisam ouvir. Elas só ficam aqui dentro, me matando pouco a pouco por nunca mais me deixarem, mesmo depois que todo mundo já foi.
E isso é doloroso. Não é como se uma boa resposta surgisse depois da poeira baixar. Quando eu estivesse no meu quarto e pudesse pensar: "Ah, poxa, essa teria sido uma boa resposta para aquela ofensa gratuita, mas, bom, agora já é tarde demais". Não. Eu as tenho imediatamente, mas não consigo usá-las.
E isso é cansativo. Frustrante.
Me faz tremer e sentir a onda de ansiedade quebrando no meio da minha cara, toda vez.
É como se as palavras que eu não consigo colocar pra fora me envenenassem por dentro e causassem todo esse transtorno antes de se alojarem em algum canto do meu corpo, como balas que não podem ser retiradas por risco de causarem uma hemorragia, e de onde nunca mais de fato desaparecem, como se virassem pequenas cicatrizes, fazendo parte de mim.
VOCÊ ESTÁ LENDO
PROJETO VERÃO (degustação)
Romance[DEGUSTAÇÃO] Livro completo disponível na versão física em http://www.manumacedo.com e no Kindle Unlimited: https://a.co/d/5Lu8wHN Ele é o dono da academia que odeia aquela época de fim de ano quando a galera Projeto Verão invade pra superlotar, bag...