Acordo na manhã seguinte com o ronco do meu próprio estômago. Estava sonhando com pudim.
Me espreguiço no sofá, onde acabei adormecendo depois da noite tensa de ontem, e sinto cada músculo do meu corpo doer como se tivessem sido estraçalhados um por um.
Minha mente ansiosa passeia entre dezenas de possibilidades de diagnósticos fatais até se lembrar do meu primeiro treino na academia de ontem.
Cacete. Tudo dói. Por que exatamente as pessoas pagam pra sentir isso? Será que é uma dor permanente? Não faz o menor sentido, e se eu já terminei o dia de ontem desmotivada por conta daquele babaca da academia, e da crise financeira na qual me encontro, depois dessa dor então é que eu não tenho mais nenhuma possibilidade de continuar com o Plano A.
Estou certa de que foi um absoluto desperdício de energia e que não faz nenhum sentido eu voltar a colocar meus pés naquele lugar, quando ficou bem claro, depois de ontem a noite, que o que eu preciso mesmo é do Plano P. Não tenho dois meses. Nem de tempo a perder e nem de dinheiro pra investir.
Decido aguardar até a próxima sessão de terapia para comunicar Kátia e pedir o encaminhamento para o psiquiatra, assim como suas indicações.
Pego o celular e digito uma mensagem pra minha chefe, avisando que vou precisar me atrasar alguns minutos hoje para ir até o banco, mas que chego a tempo pra reunião.
"Ok, mas não se atrase. Temos um cliente super importante hoje e eu preciso da sua cabecinha genial aqui", Jô responde imediatamente.
Levo pouco mais de vinte minutos para ficar apresentável dentro de uma saia tubinho e um blazer de alfaiataria. Minha melhor roupa para minha melhor chance de conseguir um empréstimo no banco pra tentar não ser despejada nas próximas semanas.
Assim que entro no carro, que é da empresa em que trabalho e minha chefe me deixa usar por conta dos muitos compromissos externos que minha função exige, penso em como seria ótimo ter um desses pra poder vender e resolver parte dos meus problemas mais urgentes. Mas não tenho nada. Absolutamente nada, nem ninguém. Sou uma mulher de 28 anos que não conquistou nenhum patrimônio ao longo da vida, além de distúrbios psiquiátricos e olheiras profundas. E agora, para completar a minha tragédia, estou completamente sozinha.
Ninguém te conta sobre a solidão que se instala depois que você perde o último elo que te conecta à vida. Pode ser um pai, uma mãe, alguém que cuidava de você. Você começa a perceber que não acaba de perder apenas uma pessoa querida, mas também todo um universo que ela representava. Toda uma sensação de pertencimento e de que mesmo com tudo de ruim que poderia acontecer, você teria pra onde voltar. Como ter uma corda invisível enrolada no corpo que te guiaria de volta pra casa, não importa o quanto você se afastasse. E mesmo que você nunca chegasse a usá-la, só de saber que ela existe já te traria algum tipo de paz.
Meus olhos estão vacilando e querendo transbordar de novo quando ouço a voz chamando meu nome.
— Por favor, sente-se senhorita Serena — Diz Paulo, meu gerente do Banco — No que posso te ajudar hoje?
Em menos de 5 minutos eu já atualizei Paulo de toda a minha situação e a bagunça em que me encontro. Ele me pede alguns minutos e desaparece atrás da porta no fim do corredor.
Estou confiante. Paulo é um cara legal. Eu já precisei de um empréstimo antes, ele me conseguiu um com boas taxas e deu tudo certo no final. Não tem como não dar certo agora, né? Não é como se eu tivesse outra alternativa aqui. Nem uma única amiga realmente íntima eu tenho pra me abrigar se eu for realmente despejada. E não tenho certeza se seria muito adequado se eu acabasse batendo na porta da casa de Kátia pra pedir abrigo. Pensando bem, essa não é nem uma possibilidade, já que eu nem sei onde ela mora.
Paulo retorna, batendo a porta atrás dele e cruzando as mãos sobre a mesa enquanto sua boca cai em uma expressão desolada.
— Eu sinto muito, Senhorita Serena — Ele diz, e eu sei que sente. Assim como o Dr. Carlos, eu sei que Paulo também sente muito por mim. Todos sentem. Mas vão esquecer disso no exato momento em que eu virar as costas. Porque não podem fazer nada.
Eu não poderia ser gerente de banco. Jamais. Eu viveria seriamente encrencada por conceder empréstimos para todo mundo que não tivesse a menor condição de pagar e quitaria os aluguéis atrasados de todos que estivessem devendo.
— Infelizmente o banco não aprovou um pedido de empréstimo, porque consta aqui que a senhorita está com uma dívida ativa com o cartão de crédito, certo?
— Sim, eu...pretendia pagar em breve — Me lembro imediatamente da fatura do mês passado que veio o triplo do valor do meu salário e que obviamente eu não consegui pagar. O último grande gasto com um medicamento à base de THC para amenizar as dores insuportáveis que ela sentia no final. Penso no frasco ainda pela metade em cima da mesa da cozinha.
— Enquanto essa dívida não for quitada, o banco não libera nenhum empréstimo. E antes que isso vire uma bola de neve pra você, já que os juros do cartão são altíssimos, tudo que eu consigo fazer agora é parcelar essa dívida pra senhora.
— Por favor — Digo, enquanto sinto meus olhos se enchendo e levo as mãos ao rosto para apertá-los e evitar o vexame — Não tem mesmo mais nada que você consiga fazer por mim?
— Olha — A voz de Paulo é baixa, quase um sussurro, e por um segundo sinto um fio de esperança me atravessando — Eu vou conversar com o gerente geral mais tarde, tá bom? Vou explicar a sua situação e ver se consigo mais alguma coisa. Entro em contato até o final do dia.
— Certo. Muito obrigada. De verdade! — Apesar da leve brisa de esperança que me atinge, sinto meu rosto esquentar e meus ouvidos ensaiarem entupir. Sacudo a cabeça e me levanto em um pulo quando vejo a hora no relógio de parede atrás de Paulo. Eu estou atrasada. E a última tragédia que poderia acontecer agora pra dar o golpe de misericórdia que falta pro meu fim total, seria perder o meu emprego.
Então eu corro como se minha vida dependesse disso.
Porque, bom, meio que realmente depende.
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PROJETO VERÃO (degustação)
Romansa[DEGUSTAÇÃO] Livro completo disponível na versão física em http://www.manumacedo.com e no Kindle Unlimited: https://a.co/d/5Lu8wHN Ele é o dono da academia que odeia aquela época de fim de ano quando a galera Projeto Verão invade pra superlotar, bag...