6. Gustavo

556 32 12
                                    




— Você tá de sacanagem comigo — Leo está com os cotovelos apoiados na mesa gigante de mármore que nos custou um rim, sacudindo sua shakeira com sua dose diária de whey protein.

— Você não estaria falando isso se estivesse lá embaixo vendo como isso aqui tá uma zona — Digo irritado enquanto me sento na cadeira eames presidencial na outra ponta da mesa e despejo dois scoops de whey na minha própria shakeira personalizada com a logo da Fit Club.

— Eles estão por toda parte, cara. Um bando de peso morto treinando fofo e atrapalhando a circulação e o treino de quem realmente tá aqui o ano todo levando a sério. Eu já te disse: Não vale a pena. Se você me ouvisse e pensasse um pouco mais estrategicamente, fecharíamos as matrículas nessa época do ano e evitaríamos todo esse transtorno.

— Você é doido mesmo, né? — Leo sobe um tom, mostrando que eu já o irritei — Eu não tenho a vida ganha como você, Gustavo. Não nasci herdeiro. E diferente de você, investi nessa academia tudo que eu tinha. Então preciso que dê certo. Preciso de dinheiro. E não vou conseguir isso se você simplesmente resolver começar a recusar alunos.

— Não é recusar. Só filtrar — Explico, didaticamente — Ajudaria se pelo menos a gente acabasse com esse negócio de primeiro mês grátis.

Leo é meu melhor amigo desde a faculdade, e é um cara muito tranquilo, mas cabeça dura. Ele cursava Administração e eu Educação Física no mesmo campus, e entre uma happy hour e outra nós traçamos um plano de negócios, juntamos uma grana e abrimos nossa própria academia. Somos o que se pode chamar de amigos improváveis, e sócios mais ainda. Não temos absolutamente nada a ver um com o outro, não só fisicamente. Enquanto ele é a cabeça por trás do negócio, eu sou o braço forte. Leo não tem um único músculo no corpo, e mesmo sendo o dono de uma das academias mais legais da cidade, até hoje se recusa a malhar. No máximo faz um cardio quando quer ouvir seus podcasts nerds favoritos e desperdiça meu whey protein.

Aos 31, Leo já é pai e casado com a melhor amiga de infância, enquanto eu, bom, não podemos dizer o mesmo.

Mas de alguma forma, provavelmente foi justamente por sermos tão diferentes que nós demos tão certo. Ele com seu cérebro genial de primeiro da turma e eu com minhas habilidades físicas e bom gosto para escolher boas duchas, por exemplo.

Aquele papo de opostos se atraem, mas não romanticamente falando. E é claro que a gente se estranha e discorda sobre várias coisas, mas no fim...Ele acaba cedendo.

Exceto pelo lance das matrículas no final do ano.

— Não vai rolar — Leo diz. Sua expressão cansada me lembra que no fundo ele tem um pouco de razão — Fechamos abaixo da meta por mais um mês, Gustavo. Os negócios não vão bem, e se continuar assim esse ano, nossa reserva de emergência vai acabar e vamos ter que fechar as portas.

— Eu sei, cara — Admito, porque ele tem mesmo razão. Há alguns meses, desde que uma franquia de uma academia de rede abriu bem ao lado do shopping, muitos alunos antigos migraram pra lá, atraídos pelas mensalidades do conceito low cost. E virou uma concorrência desleal desde então, ameaçando nosso negócio.

— Então vê se para de perturbar e desencorajar os novatos, ok? — Ele me lança um olhar ameaçador, quer dizer, ameaçador no estilo Leo, o que ainda é bastante inofensivo — Rebeca disse que te viu importunando uma garota nova lá embaixo hoje. E se você acredita tanto que essa galera não é lucrativa pra gente porque não dura muito tempo, já parou pra pensar que esse seu comportamento só vai te fazer ter mais razão, e não mais dinheiro?

— Nem tudo é sobre dinheiro, cara — Tento — Nossa ideia aqui sempre foi construir algo focado em pessoas realmente interessadas no lifestyle, dispostas a levar o treino a sério. E não nessa galera sem compromisso que só quer a sensação ilusória de estar tirando a bunda do sofá e fazendo alguma coisa. E depois que conseguem a dose de endorfina ínfima de quando fazem a matrícula, já era.

— Não importa, Gustavo — Leo pega o celular e digita alguma coisa antes de me encarar de novo, sério — Acabei de te enviar o endereço da reunião com a agência de marketing amanhã de manhã. É a nossa última chance de tentar reverter essa situação e deixar a Fit Club no topo de novo.

— Ainda acho isso uma grande besteira — Meu celular toca com a notificação da mensagem, e configuro um alarme pra 1 hora antes da reunião — Não vejo o porquê desse investimento, como se esse pessoal fosse ter uma ideia tão mirabolante pra resolver nossos problemas num passe de mágica.

— Você concordou, Gustavo — A voz de Leo é quase um suspiro, ele leva as mãos ao rosto e força os olhos com os dedos por baixo dos óculos wayfarer casco de tartaruga — Por favor. Por mim, vai? Faz esse esforcinho. Eu não posso perder isso aqui, eu tenho uma família, cara. Você não faz ideia de quanto custa uma escola de criança. E com a Mel grávida dos gêmeos agora, tem noção que ano que vem eu vou estar pagando escola pra QUATRO?

— Argh — Resmungo jogando a cabeça pra trás e relaxando o corpo na cadeira ergonômica — Sempre com esse jogo sujo, cara. Usando as crianças pra me amolecer, você sabe que eu faço tudo por aqueles pirralhos.

— Então amanhã, às 11h.

— Então amanhã, às 11h. — Repito, imitando seu tom sério enquanto me levanto e me debruço sobre a mesa pra bagunçar o cabelo dele e derrubar seus óculos do nariz — Você vai me fazer perder minha corrida matinal, e você sabe como eu fico quando não corro, né? É bom torcer pra que valha a pena.

 — Repito, imitando seu tom sério enquanto me levanto e me debruço sobre a mesa pra bagunçar o cabelo dele e derrubar seus óculos do nariz — Você vai me fazer perder minha corrida matinal, e você sabe como eu fico quando não corro, né? É bom torce...

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
PROJETO VERÃO (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora