2. Serena | Dia 1

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Valido o ticket do estacionamento na máquina que fica logo na entrada, e sigo pelo corredor escuro até adentrar o salão enorme onde a magia acontece. O Show da Endorfina.

Me sinto adentrando em uma selva de máquinas brilhantes e pesos misteriosos.

A luz é bem baixa aqui, e uma iluminação indireta feita com fitas de LED roxas entre vãos estratégicos no rebaixamento de gesso dão ao lugar um climinha até aconchegante, se não fosse a barulheira insuportável de música pop motivacional misturada com os ruídos dos aparelhos de musculação.

O cheiro não é tão ruim quanto imaginei que seria em um lugar fechado com cerca de cem pessoas suando simultaneamente, e tem um cheirinho de lavanda do produto de limpeza que eles usam e que fica impregnado.

Toda e absolutamente qualquer parede aqui é na verdade um espelho. Então não importa pra onde você olhe - pessoas ou paredes - vai estar sempre se sentindo julgada por um juri cruel de um reality show.

Passo pela área dos marombeiros, que fica bem na entrada, e a sinfonia de grunhidos indecifráveis e estrondos de pesos batendo contra metal me lembra de testar meus fones de ouvido com super isolamento acústico.

Percebo cabeças se virando e olhares julgadores quando passo. É a primeira vez que questiono a minha sanidade por ter seguido o conselho da minha terapeuta e a segunda em que tenho vontade de fugir daqui.

Aperto o passo.

Em seguida, vem a área dedicada aos treinos funcionais, com pessoas saltando em caixas, balançando cordas e empurrando trenós. É tipo um show de talentos, onde a habilidade de pular obstáculos é tão crucial quanto acertar uma nota perfeitamente afinada.

Ali, ninguém parece me notar, e passo despercebida pela legião de pessoas suadas que parecem focadas demais para prestar atenção numa novata.

Existe ainda um espaço para as pessoas se alongarem e fazerem séries de abdominais em posições ousadas que, confesso, eu nem imaginava que seriam humanamente possíveis.

Passo reto, seguindo para a escada que dá no mezanino, onde fica a sala de avaliação onde tenho um horário marcado para alinhar minhas expectativas, tirar medidas e ser apresentada à minha primeira série de musculação com o personal. Ou pelo menos foi o que a mocinha simpática me explicou. Tudo aqui é muito estranho e pouco familiar pra mim. É como adentrar em um universo completamente desconhecido, onde os pesos são a moeda local, e os músculos, a língua nativa.

E eu não tenho um único centavo e nem faço a menor ideia de como me comunicar com os habitantes.

A quarta vez que tenho vontade de sair correndo acontece quando paro na frente do espelho disfarçado de porta da sala de avaliação, e constato que eu definitivamente não pertenço a esse lugar, com minha calça de moletom larguinha e a camiseta velha que eu cortei pra parecer mais moderninha.

Não funcionou.

Depois de passar por todas aquelas garotas saradas com seus shortinhos justinhos, macaquinhos descolados e leggings combinando com o top, me sinto ainda mais alienígena no Maravilhoso Mundo da Endorfina.

Ainda tenho tempo. Olho ao meu redor, e não tem mais ninguém prestando atenção em mim. Eu poderia facilmente ir embora e fingir que eu nunca nem sequer cogitei essa possibilidade pela minha frágil saúde mental.

Acho que ninguém me impediria.

Um dos meus pés já está posicionado para a fuga quando o espelho à minha frente se abre, e um cara que mais parece um exemplar de testosterona em forma humana estende a mão pra mim, enquanto esboça algo que parece uma tentativa de sorriso. Mas é difícil ter certeza porque o rosto dele parece meio paralisado.

— Bom dia, Serena, certo? — Ele diz, sem mover um único músculo no rosto. É meio estranho. Meio Arnold Schwarzenegger.

— Sim — Estendo a mão pra apertar a dele, mesmo que esteja meio apavorada com a possibilidade dele quebrá-la só de encostar — Sou eu, bom dia!

— Primeiramente, bem vinda à Fit Club — Ele faz um gesto me convidando pra entrar na sala — Sou o Dani, e vamos começar tirando as suas medidas e conversando sobre o que você espera da sua experiência aqui com a gente!

Subo em uma balança extremamente tecnológica que parece ter saído de um filme futurista e que eu fico realmente impressionada com a capacidade de entregar até minha taxa de gordura visceral, que é algo que eu acabo descobrindo que existe da pior forma possível: Estando acima do ideal.

O que não é nada, nada bom.

Também descubro que, apesar de não me incomodar com a minha aparência, estou 5kg acima do meu peso ideal, com um pouco de gordura abdominal sobressalente, e que me saí péssima no teste de mobilidade, o que significa que tenho a flexibilidade de uma senhora de 90 anos.

O que não é nada, nada bom pra alguém com 28.

Dani preenche um longo questionário com perguntas sobre a minha saúde, alimentação e expectativas, e saio de lá quase uma hora depois mais apavorada do que quando entrei. Porque além da saúde mental, parece que minha saúde física também está por um triz e eu estou à beira do colapso total.

Por essa eu não esperava.

Tudo indica que, se eu não surtar completamente, com certeza quem me dará um fim será esse corpinho sedentário que viveu quase três décadas à base de carboidratos, gordura saturada e açúcar.

PROJETO VERÃO (degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora