06 - Decisão

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Jullian Lopez

Entro na enorme casa silenciosa e me sinto totalmente deslocado, Matteo apenas me deixou aqui e disse que precisava trabalhar, então eu me vejo sozinho. Olho ao meu redor e solto um suspiro, pensando no que fazer em seguida, então sigo até onde lembro de ter visto a cozinha. E quando encontro o cômodo, minutos depois, fico feliz em ver Bella concentrada em um bloco de notas sobre o balcão. E ao ouvir meus passos adentrando a cozinha seus olhos se voltam para mim. Ela sorri e só então percebo o quanto sua aparência é jovial, daria no máximo uns quarenta anos a ela.

— Acabei de tirar um bolo do forno, aceita? — Ela pergunta e tira a tampa de uma boleira ao seu lado.

— Sendo de cenoura eu não resisto — respondo com um sorriso contido e me sento em uma das cadeiras altas que cercam a ilha.

— Também é meu favorito — Bella confessa e me estende um prato de porcelana com um corte perfeito de bolo.

Sorrio e dou a primeira garfada no bolo, apreciando seu gosto maravilhoso. Estar desfrutando de um bolo desse depois de todo o pesadelo vivido é como estar no paraíso.

— Deu tudo certo em seu depoimento? — Ela questiona e percebo que toda sua atenção está em mim nesse momento.

— Ah, sim... em poucos dias vamos poder voltar ao Brasil — respondo e ela assente, ficando em silêncio.

Deixo meu bolo pela metade de lado e respiro fundo antes de fazer uma pergunta que vem me rondando desde ontem.

— Humm... Bella, você é brasileira? Você não tem nenhum sotaque...

— Sim, querido. Sou brasileira, mas moro na Itália há cinco anos. — Ela responde e parece ficar distante por um momento. — Você tem certeza de que quer voltar?

Sua pergunta me pega desprevenido, pois a última coisa que eu tenho depois de tudo é certeza.

— Me desculpe se pareço invasiva, mas sua história lembra muito a minha. — Ela diz e um sorriso melancólico se forma em seu rosto.

— Como assim, Bella? — pergunto, interessado e confuso.

— Eu também fui vítima de tráfico, Jullian, fui trazida pelas mesmas pessoas. Eles fazem isso há anos, são pegos e sempre dão um jeito de recomeçar.

— Bella... — falo, chocado pelo que acabei de ouvir.

— Eu tinha trinta anos na época, era casada com um homem viciado em jogos de azar. Tentei de todas as formas sair daquele relacionamento depois que recebi o primeiro tapa, mas nunca fui forte o suficiente. Até que um dia bateram na nossa porta, meu ex-marido estava totalmente bêbado. Os homens entraram e exigiram ser pagos pela dívida que ele tinha, mas não havia nada a ser feito. Então eu vi marido sendo morto na minha frente. Achei que sentiria tristeza, mas por incrível que pareça o sentimento que me tomou foi o alívio. Só que eu senti isso cedo demais, pois eles acharam uma boa ideia me aliciar para quitar a dívida. Durante um ano da minha vida eu virei uma garota de programa, era obrigada a bater uma meta todas as noites, vender meu corpo como se fosse um pedaço de carne. Por um momento eu cheguei a implorar para morrer, já não via mais saída para a vida que eu estava vivendo.

Sinto meus olhos cheios e não me surpreendo quando as lágrimas rolam pelo meu rosto, pois eu me sinto revivendo tudo. Deus, o quão perto eu cheguei de viver isso também?

— Quando eu achei que não havia mais uma porta para mim, foi quando a casa de prostituição foi invadida pela polícia. Conheci o senhor Mazza logo depois, pois ele foi um dos responsáveis por nos salvar. Fiquei alguns meses em uma casa de acolhimento, mas recebi uma proposta dele para trabalhar em sua casa e não pensei duas vezes. Não havia mais nada para mim no Brasil, sempre fui sozinha e só tinha um marido que estava morto. Então aproveitei essa oportunidade e me reergui. Matteo me contou um pouco da sua história e isso me faz pensar... você acha que vale a pena voltar?

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