Jullian Lopez
Diferente do meu primeiro sono o resto da noite foi totalmente conturbada. Não consegui parar de pensar em tudo o que houve, principalmente na criança que nascerá em alguns meses e não terá a mãe para a acalentar e dar amor. Confesso que molhei a fronha cara do travesseiro com minhas lágrimas e pensei que poderia realmente secar ao ponto de não haver mais água em meu corpo. Quando o sol nasceu eu já estava de pé com o rosto inchado, parecendo um panda. Eu nunca me achei bonito, mas me olhar no espelho agora é realmente assustador.
Eu acabei perdendo alguns quilos durante esses dias, meus cabelos estão oleosos e quebradiços, minha expressão é de alguém que já desistiu da vida há muito tempo e meus olhos não possuem brilho algum. Sou a sombra de um homem, uma pessoa que eu nunca imaginei ser, mesmo com todas as dificuldades. Enquanto tomo banho e sinto a água quente cair por meu corpo magro, penso sobre voltar para o Brasil. Eu poderia dizer que tenho a chance de voltar para casa, mas nunca tive uma. Nunca tive um lar, a chance de me sentir confortável ou protegido. E dentre todas as minhas certezas, sei que Lázaro é a última pessoa que quero ver novamente. Para mim ele morreu no dia em que me entregou nas mãos de desconhecidos sem pensar duas vezes.
Não me sobrou nada no Brasil, então para onde voltar?
[...]
Eu me sinto totalmente deslocado em um lugar tão grande e que exala puro luxo. Por isso me sinto perdido quando Bella me mostra um lugar à mesa luxuosa localizada na sala de jantar. Eu me sinto envergonhado ao me sentar, principalmente quando vejo Lorenzo no assento da cabeceira e outro homem ao seu lado. O que me surpreende e me deixa um pouco aliviado é ver Bella também tomar seu lugar à mesa, comendo normalmente.
Meus olhos vão parar em Lorenzo e seu jeito peculiar, ele é como uma incógnita para mim. Seu estilo me transmite sombra, já que todas suas vestes são pretas, mas ele exala leveza. O que me deixa intrigado é o porquê das luvas e máscara, ele está todo coberto, como se estivesse algo a esconder? O que há de tão feio assim?
— Este é Matteo, o responsável por toda a operação que resgatou vocês — Lorenzo aponta o rapaz ao seu lado, que não parece ser muito mais novo do que ele.
— Obrigado — agradeço a ele, que nega com um aceno e sorriso sincero.
— Não há necessidade, e nada aconteceria se não fosse pelo Don — Matteo diz e franzo o cenho para o modo como ele chama Lorenzo.
Percebo a breve troca de olhar entre os dois após a fala, como se o senhor Mazza estivesse o repreendendo por isso.
— Coma, querido. Precisa se recuperar — Bella diz com seu sorriso maternal e agora presto atenção que ela é a única que não possui sotaque ao falar português.
Há várias dúvidas rondando minha cabeça, mas me calo e foco em comer meu café da manhã, dando graças aos céus por essa refeição. Como em silêncio, ouvindo Matteo e Lorenzo conversando entre si em italiano. Quando terminamos a refeição o senhor Mazza avisa que será Matteo a me levar na delegacia para que eu possa dar meu depoimento. Ele também deixa claro que posso ficar em sua casa até que eu volte ao Brasil e ouvir isso traz alívio ao meu coração conturbado.
Ao chegar em nosso destino encontro as mesmas pessoas que estiveram comigo durante esses dias, sentadas, aguardando serem chamadas. Alexandre me nota quando entro no local com Matteo ao meu lado e vem correndo até mim. Eu me surpreendo quando ele se joga em cima de mim, me abraçando apertado. É um choque para eu ter esse contato, já que nunca experimentei, mas me forço a relaxar e retribuir seu gesto, me sentindo estranho, porém um estranho bom.
— Você está bem? Pensei que tinha acontecido algo quando não vi você com os outros. — Ele diz ao se afastar e sua preocupação genuína me deixa desconsertado.