Decisões

74 11 7
                                    

Juliette voltou a casa depois de ter prestado depoimento na polícia e ter passado no hospital onde foi submetida a vários exames.

Ficou a saber do tripulante que infelizmente não teve a sorte dela.  Deu à costa na ponta da praia oposta à que ela foi socorrida.

O comandante do navio e a empresa proprietária do mesmo pediram uma investigação ao acidente pois o iate era novo.

Ricardo foi informado do aparecimento da namorada e foi logo ter com ela a casa.

- Amor,  sofri tanto estes dias sem noticias tuas!

- Agora estou bem.

- Vou ficar aqui contigo.   Estás mesmo bem?  Não sofreste nenhum trauma?

- Estou mesmo muito bem e muito lúcida.  E não,  não vais ficar aqui comigo.   Aliás, a partir deste momento a nossa relação será apenas de colegas já que trabalhamos na mesma empresa.

- Porquê Juliette?  O que eu fiz?

- Nada.  Nós dois sempre foi um erro.  Agora eu tenho noção que não existe mais nada entre nós.  Foi um erro aquele passeio no iate.  Foi um erro desde o início.
Segue a tua vida que eu vou fazer o mesmo.

- Graças a Deus.  Já estava farto de ti.  Não sei porque resolvi me envolver contigo.  Era para teres morrido em vez do outro desgraçado.

- O quê?  Quer dizer que aquilo não foi acidente?

- E eu disse isso?  Só disse que o outro tripulante não devia ter morrido.

- Sai da minha casa, já!

- Com muito gosto, sonsa.

- Babaca.

Ricardo foi embora e Juliette desabou no choro.   No meio das lágrimas ela vislumbrou a imagem de Rodolffo sentado no alpendre e sentiu saudade.

Na semana seguinte voltou ao trabalho.  O babaca do Ricardo trabalhava num andar diferente, então raramente se viam.

A alegre Juliette passou a ser triste e todos os colegas notaram.  Não aceitava sair nem mesmo para os programas que outrora tanto gostava.   Vivia entre a casa e o trabalho.

Hoje sentada na varanda da sua casa contemplando a lua pensou nele mais uma vez.
Lembrou-se do papelinho onde ele anotou o número de telefone mas por mais que procurasse não encontrou.

Não tinha como ele ligar pois  mudei de número.
O jeito mesmo é esquecer.

Por seu lado Rodolffo aguardava ansiosamente pelo telefonema dela.

Tinha terminado o retrato e colocou-o no quarto bem em frente da cama.
Tentou ligar várias vezes mas o número não estava atribuído.

Ela deu-me o numero errado de propósito,  pensou.
Não,  ela não parece ser uma pessoa falsa.  Possivelmente trocou de número.

Foi pesquisar nas redes sociais e apenas encontrou postagens até ao dia do acidente.  A partir daí nunca mais foram actualizadas.
O número de telefone era o mesmo
que ela lhe deu.

Passaram três meses.  Juliette estava de férias do trabalho.  Pegou num pequena mala e foi viajar para uma aldeia onde as pessoas ainda viviam na maior simplicidade.  Não havia Internet e telefone nem todos tinham.

Alugou um quarto numa pequena pensão e desligou-se de meio mundo.

Ela tinha nascido numa aldeia parecida e saiu apenas para poder estudar.  Depois de terminar o curso os pais já lhe tinham arranjado um marido, filho do açougueiro da aldeia.

Como ela não aceitou, eles simplesmente cortaram relações com ela.

Uns anos depois o pai faleceu com problemas mentais e a mãe pôs termo à vida logo de seguida.

Hoje estas lembranças já pouco a afectam pois já sofreu muito lá atrás.

Juliette passou as férias interagindo com a pequena comunidade e principalmente com as crianças.

Era frequentemente vê-la na praça rodeada de catraios,  jogando à bola ou saltando à corda.  Por vezes sentava-se na frente das casas com as mulheres que crochetavam ou trocotavam.

Cada uma contava uma história melhor que a outra.  Lições que ela levaria para a vida.

Quinze dias depois ela já estava integrada na comunidade. Numa casa almoçava, noutra recebia uns biscoitos e muitas vezes uns agrados.

- Um pano de prato para a tua casa, dizia uma.
- Uma caneca pintada por mim, dizia outra.
- Uma blusa que eu tricotei.
- Um lencinho de mãos.
Etc, etc, etc...

Juliette reflectiu e chegou à conclusão que poderia muito bem terminar os seus dias numa destas comunidades.

Só tinha um mas...
Ela não havia esquecido o seu salvador.

As férias terminaram e foi doloroso despedir-se de todos.   Prometeu voltar um dia.  Quem sabe, talvez ficar.

Voltou para casa e logo no dia seguinte ao trabalho.

Era hora de almoço e ela estava bastante angustiada.

- Não,  não é isto que eu quero.

Digitou uma carta de demissão,  assinou e dirigiu-se ao piso de recursos humanos.

Entregou a carta e saiu do edifício, enchendo o peito de ar quando chegou cá fora.

Almoçou sózinha num restaurante conhecido, pediu um vinho, foi ao shopping, assistiu um filme e regressou a casa com o ar mais leve.

Tomou um banho, abriu um vinho, deitou-se no sofá e só então se deu conta de que não tinha planos para o futuro.

Senhora do marOnde histórias criam vida. Descubra agora