Capítulo 01: O desespero de morrer...

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Acordar – depois de finalmente conseguir dormir bem – é uma das tarefas mais difíceis, principalmente no frio.

Eu amo a primavera, em especial os esporádicos dias floridos e agradavelmente frescos que surgem com ela. Não sou fã do calor e por isso também sou apaixonada pelo inverno! Nessa época do ano, a temperatura mais amena do clima me agrada. Dá-me um ânimo sem igual, exceto quando preciso sair das cobertas pela manhã.

No entanto, hoje consegui sair debaixo delas sem problema algum. Aliás, eu literalmente as jogara para o lado e pulara da cama com a roupa grudada no corpo suado, o coração disparado e a necessidade absurda de aspirar o ar em arfadas abundantes. O desespero era mais do que palpável pela minha jugular que pulsava freneticamente em meu pescoço.

A escuridão do quarto apenas piorava ainda mais as coisas. E em uma exasperação sem igual, vaguei feito louca, esbarrando em tudo, derrubando coisas e caçando, com um tato desvairado, a porcaria do interruptor.

Assim que o encontrei e se fez a luz, escorreguei lentamente pela parede até o chão. Eu chorava de pânico e os soluços dificultavam a respiração ofegante.

- Iara!? – ouvi minha mãe chamar do outro lado da porta. – Está tudo bem, filha?

- Mãe... – chamei num choro angustiado. Mais do que depressa ela entrou no quarto e correu até minha pobre figura largada no chão.

- O que aconteceu, pelo amor de Deus?! – eu sabia que o meu estado a estava deixando mais do que preocupada. Juro que queria parar, não queria vê-la assim, assustada comigo. Mas não conseguia me controlar.

- Ah, mãe... – estendi os braços e prontamente ela me atendeu, abaixando-se e me abraçando forte.

- Jesus! Você está fria! Tá tremendo! – ela me apertou mais forte e me senti um pouco mais segura. O toque estava me ajudando a sentir a vida. – O que foi, minha filha?

- Mãe... – solucei sem parar, agarrando-me a ela com todas as minhas forças. – Acho que morri...


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- Está se sentindo melhor? – ela afagava minhas costas, enquanto eu bebericava os últimos goles do chá de camomila extremamente doce que me preparara.

- Muito... – murmurei, respirando fundo e me sentindo um pouco aliviada.

Depois de gaguejar e soluçar uma explicação para minha mãe, ela conseguira me convencer de que tudo não passara de um sonho. Afinal, eu estava ali, viva, saudável, chorando a plenos pulmões e a agarrando a ponto de quase quebrar seus ossos.

Portanto, eu não havia me afogado em lago algum e nunca ficara presa numa escuridão completa, cercada pelo espectro sinistro de criaturas, cujas presenças eram tão pesadas e antigas que me davam a sensação de serem monstruosidades anciãs. E que mesmo sem conseguir vê-las, faziam-me sentir como se desejassem minha alma, como se pudessem dilacerar à ela e a minha sanidade com um simples sopro...

De qualquer forma, minha mãe estava me provando que eu não era uma carcaça mole, inchando e absorvendo água, enquanto que meu âmago era arrancado de mim em puxões afiados e agonizantes... Eu ainda era Iara Walter Albuquerque, uma mulher de 25 anos, jornalista responsável pela coluna de critica literária de uma renomada revista do estado de São Paulo, uma solteirona sem causa que morava na casa da mãe.

E, então, com uma incrível paciência, a minha querida mãe, Dália Walter, esperou meu corpo parar de tremer, minha voz parar de balbuciar incoerências e meus olhos pararem de verter água como chafarizes. Levou-me – com tranquilidade invejável, devo ressaltar – até a cozinha e preparou o chá que eu acabara de beber.

- Nunca mais quero ter um sonho como este. – revelei resoluta.

- Ninguém gostaria de ter, querida. – ela me respondeu com empatia e pegou a xícara de minhas mãos com cuidado, provavelmente, ainda não confiando em meus nervos para não quebrá-la. – Acho que a sua aventura deste final de semana te deixou muito agitada.

- Provavelmente...

Eu havia ido descansar em uma fazenda bem escondidinha no interior do estado. Ela pertencera a minha avó e fazia quase um ano que não íamos para lá, ou melhor, desde que ela falecera, não tínhamos mais pisado naquele pedaço de terra de Salesópolis, berço do Rio Tietê.

Contudo, o estresse da semana me fizera pedir, desesperadamente, pela chave do lugar e, munida de todo o equipamento de limpeza, roupas de cama, vestimentas diversificadas e adereços que poderiam garantir minha sobrevivência em eventuais imprevistos, parti rumo ao meu retiro de paz e sossego, pronta para me isolar durante o final de semana todo.

Devo dizer que aproveitei muito a minha estadia. Limpei toda a casa, extravasando todo o nervosismo do trabalho. Fiz trilhas próximas á morada principal da fazenda. Comi tudo o que me dava vontade. Adiantei o meu projeto para escrever um livro e, no domingo, aproveitei para nadar um pouco no lago da propriedade.

Talvez, seja por isso que eu havia sonhado que estava me afogando...

- Mãe... – percebi que algo estranho estava faltando na minha narrativa. – Quando eu voltei para casa? – passei as mãos pela cabeça, tentando me lembrar. – Que horas eu cheguei? Não me lembro.

- Não sei filha. Eu não te vi chegar. – largou a louça e sentou ao meu lado, terminando o próprio chá. – Acho que você voltou depois que eu já estava dormindo e tenho certeza de que fui dormir depois da meia noite. Provavelmente você chegou de madrugada.

- Hm... – estranhei. Eu realmente não me lembrava de nada!

- E deve ter chegado super cansada pelo visto.

- Por quê? – ergui o olhar e a encarei ainda mais curiosa.

- Nem trocar de roupa, você trocou para dormir. – comentou, apontando para o que eu vestia: um vestido branco leve e rendado, por cima de um maio preto, que eu sempre usava para nadar.

- Que estranho... – resmunguei, cheirando minhas roupas e identificando, além do suor, o aroma de mato e lodo. Torci o nariz.

- E você nem deve ter descarregado o carro, porque senão, eu teria te escutado. – minha mãe tinha um sono leve, por isso, com certeza teria acordado, mas... Eu tinha mesmo vindo de carro?

Levantei-me e fui até a janela da cozinha, constatando que o meu JEEP vermelho estava mesmo estacionado na garagem e, aparentemente, com todos os apetrechos que eu havia levado para a fazenda.

Eu não me lembrava de absolutamente NADA!

- Iara... Iara... Iara... – sussurrei. – O que aconteceu com você, mulher? – agarrei-me com força à lateral da janela.

O Azul mais ProfundoOnde histórias criam vida. Descubra agora